Tarde de domingo e eu em casa, sem nada para fazer, estava
entediado. Uma preocupação rondava a minha mente, a entrevista de emprego que
faria no dia seguinte. Seria uma ótima oportunidade, com um bom salário, porém,
muito concorrido.
Já estava quase convencido que seria melhor continuar no meu velho
emprego e assim evitaria uma disputa com pessoas mais preparadas que
eu. Com uma dúvida enorme, resolvi sair para dar uma volta na rua. Já estava
cansado de ficar parado, esperando o tempo passar.
Parei numa esquina e fiquei observando as pessoas que
passavam, sempre apressadas, cada uma com sua verdade. Algumas alegres, outras
tristes, cada uma com sua história de vida.
Reparei que sentado numa calçada, estava um senhor de barba
longa e branca cobrindo todo o seu rosto. Comecei a observá-lo e notei que
aquela barba escondia um leve sorriso. Um sorriso tímido, que às vezes se
transformava em lágrimas.
Sentei-me ao seu lado e tentei puxar conversa. De maneira
tímida, ele se recusava a falar, apenas balançava a cabeça. Continuei sentado
ao seu lado por um bom tempo, ainda observando as pessoas no seu ritmo
acelerado. Pareciam personagens de um filme. Cada uma representando um papel.
Nessa altura eu já me sentia invisível; notei que um cãozinho
se aproximou, enquanto o senhor lhe dava um pedaço de pão. Mais uma vez,
tentei puxar assunto falando sobre os cães. E dessa vez, finalmente, consegui
um pouco de atenção daquele homem, que fixou seu olhar triste em mim.
Comecei, então, a falar sobre as minhas dúvidas e como eu
fugia sempre dos problemas, principalmente, quando havia desafios. Disse-lhe que tinha
pavor de enfrentá-los. Contei a ele sobre a entrevista e
que estava prestes a desistir e continuar acomodado no meu antigo emprego.
De repente, aquele senhor, com uma voz muito baixa, como
se fosse um sussurro, falou:
-Eu era uma criança alegre e sonhadora, criei um mundo
mágico, onde não existia dor e nem tristeza. O bem sempre vencia o mal. Quando
um adulto tentava me mostrar a realidade, eu achava um jeito de me isolar.
Preferia continuar no meu mundo, onde tudo era perfeito. Aos sete anos
de idade, conheci um mundo novo e diferente. Nesse mundo sempre existia alguém
que mesmo sem saber, estava competindo. Cada um com sua arma; era meu primeiro ano
na escola. Foi um ano difícil, onde tive que me expor. Sentia que era julgado,
mesmo sem motivos e aí conheci o medo. Esse medo se tornou meu companheiro
inseparável e acabou me dominando. Convenceu-me a não encarar os desafios que a
vida me proporcionava, me levando para um mundo onde só existia eu, meus
sonhos e a certeza de que no futuro tudo se realizaria. Esse tempo passou muito
rápido e quando me dei conta já era um adolescente. Cheio de dúvidas e desafios
pela frente. Mas, nessas horas eu buscava refúgio no meu velho companheiro, o
medo. Para mim era mais fácil e cômodo. Assim eu não precisava me expor,
passava despercebido. E de novo, voltava a me esconder no meu mundo. Aquele
mundo de fantasias. Quando percebi, já era um adulto, com um monte de
oportunidades se escancarando a minha frente. Mas, lá estava o meu velho companheiro, o medo; me convencendo a virar as costas para elas. Continuei esperando,
acomodado em meu emprego, na minha vidinha sem graça. O tempo, impiedoso,
passou mais rápido e quando notei já era um idoso. E aquele meu mundo mágico,
já não existia; meus sonhos se transformaram numa triste realidade. Hoje a vida
me cobra por eu ter desistido dela tão cedo. Vivo sozinho, no meu canto,
observando as pessoas vivendo as suas vidas. Umas alegres, outras tristes, mas
todas vivendo sem medo. Aceitando a vida como um presente de Deus. Ao
voltar para o meu mundo imaginário consigo sorrir, mas logo volto à
realidade e sinto uma imensa dor no coração ao pensar nas coisas que deixei de fazer por medo.
Olhei para aquele senhor e notei uma lágrima que caía no seu
rosto envelhecido. Dei-lhe um abraço e ele me surpreendeu dizendo que era seu
aniversário. Há muito tempo ele não ganhava um abraço, sussurrou no meu ouvido.
Não me contive e comecei a chorar.
Passei a noite acordado pensando na minha vida e nas coisas
maravilhosas que ela me proporcionava. Percebi que estava deixando a vida
passar por medo de enfrentar os desafios. Estava sendo dominado pelo medo!
Na segunda-feira, fui fazer a entrevista e fiz novas
amizades. Resolvi, a partir daquele dia, viver a vida sem medo e a encarar todos os desafios que
aparecessem pela frente! Percebi que o sorriso que havia sumido voltou a iluminar
meu rosto e comecei a valorizar a vida.
Não sei se serei aprovado na entrevista, mas de uma coisa
tenho certeza, a minha vida mudou depois daquele final de tarde de domingo.
Todos os dias volto ao lugar onde encontrei aquele senhor
com a esperança de revê-lo. Quero que saiba da importância que o seu desabafo
teve para mim. Ele simplesmente desapareceu. Ninguém jamais o viu por ali.
Até hoje, não sei se realmente falei com aquele senhor ou se
foi um anjo que falou comigo através do sonho.
Colaboração de P.W.M.