Estava eu voltando da capital no último ônibus daquele dia. O ônibus estava lotado. Alguns passageiros em pé, enquanto procuravam seus assentos. Sentei num dos bancos a direita do motorista. Na minha frente estava uma senhora que, mais tarde soube, era uma religiosa da mesma igreja onde eu frequento.
Depois que o ônibus saiu da rodoviária parou numa agência onde entrou um rapaz e sentou-se no último banco. Ele entrou com uma lata de cerveja na mão. Parecia bem extrovertido pela maneira como cumprimentou o motorista.
O ônibus saiu e as luzes foram apagadas. O livro que eu pretendia ler permaneceu fechado na minha mão. Preferi pensar na minha neta; fazia poucas horas que eu a havia deixado, mas já estava com saudades.
Lá pelas tantas, o rapaz do fundo veio para a frente e sentou-se ao lado da senhora religiosa. Nessa altura, aquele banco já estava desocupado.
- Parece que você está muito feliz meu jovem – ela falou vendo a euforia do rapaz.
- E estou mesmo muito feliz, graças a esse tal de Facebook. Uma ex namorada me encontrou depois de dez anos. Estou indo encontrá-la.
- Não entendo dessas modernidades. Do que você está falando?
- Ah, me desculpa, senhora. Esse tal de Facebook é uma rede social onde podemos encontrar as pessoas e conversar com elas.
- Entendi. Então, sua ex namorada encontrou-o através dessa rede social depois de muitos anos!
Aquele converse na minha frente despertou a minha atenção. Fiquei curiosa com a história do rapaz.
- Há dez anos eu morava com a minha avó na mesma cidade que ela, a Soninha. Meu pai ficou viúvo, casou novamente e eu fui rejeitado pela minha madrasta. Daí ele me levou para a casa dos meus avós.
- Geralmente a madrasta cuida bem dos filhos do marido.
- No meu caso, a minha madrasta não me aceitou. Eu tinha dez anos quando isso aconteceu. Conheci a Soninha na escola e fomos muito amigos. Aos quinze anos começamos a namorar. Como já disse ela morava nas proximidades.
- Hum, que interessante, meu rapaz!
A senhora religiosa já estava íntima do moço, pareciam velhos conhecidos.
- Namoramos durante dois anos, estávamos apaixonados, mas daí meus avós se mudaram. Foram morar com o meu pai que tinha ficado viúvo e estava sofrendo para cuidar do filho e do trabalho.
- Você tem um irmão que também contou com a ajuda dos seus avós?
- Tenho. E esse, meu pai não levou para meus avós, preferiu que eles vendessem a casa deles e fossem para a cidade grande. Tive que deixar a Soninha com a promessa de voltar. Ela chorou muito, mas acabou entendendo a minha situação. Chegando na cidade grande passei por umas fases difíceis, adaptação na escola, desentendimento com o meu pai e falta de amigos.
- Nossa, imagino o que você passou! Mas você não podia falar com a Soninha por telefone?
- Naquela época não tínhamos celular e como estávamos sempre juntos nunca trocamos o número de telefone.
- Poderia ter escrito uma carta para ela.
- Nunca fui bom com esse negócio de cartas. E nem dei meu endereço para que ela me escrevesse.
- Daí ia ficar difícil mesmo. Talvez o que vocês sentiam na época fosse apenas fogo de palha. Se fosse amor teriam dado um jeito de se falarem.
Aquela história estava bem interessante e eu já estava torcendo para dar tempo do rapaz contá-la na íntegra.
- Meu pai arrumou um emprego para mim na lanchonete onde ele era o gerente. Dali em diante eu dividia o tempo entre o trabalho e o estudo. As coisas começaram a melhorar entre eu e meu pai. Me envolvi com a filha de uma garçonete e me tornei pai aos dezenove anos. Ela tinha dezesseis.
- Rapaz, sua vida parece uma novela – disse a religiosa.
- Parei de estudar e tive que trabalhar em mais de um emprego para ajudar a criar minha filha. Levei as duas para casa do meu pai. Meu avô faleceu e a minha avó se distraía ajudando a cuidar da criança e do meu irmão.
- Sua avó é uma Santa.
- Foi uma mulher muito boa. Três anos depois ela foi se encontrar com meu avô.
- E seu pai não casou mais?
- Não e eu acabei ficando solteiro também. Faz pouco tempo que minha mulher se apaixonou por outro e foi embora com a minha filha. O outro era mais velho e bem de vida.
- Ela agiu por interesse, então.
- Depois que isso aconteceu abri uma conta nesse tal de Facebook e uma moça me adicionou dizendo que era a Soninha.
- Imagino a sua alegria por ela tê-lo encontrado.
- Fiquei admirado por ela se lembrar de mim e dizer que mora no mesmo endereço. Disse que casou e teve um filho. Hoje está separada e trabalha num salão de beleza. Ficou uma mulher muito bonita pelo que vi na foto.
O ônibus estava quase chegando na cidade onde o moço ficaria e eu estava agoniada para saber o final daquela história.
- Ela está te esperando a essa hora? Já é quase meia noite! - falou a senhora.
- Aproveitei a minha folga e vim vê-la. Espero que a chama entre nós reacenda.
O rapaz falante chegou ao seu destino, assim como muitos passageiros e se despediu da senhora antes de descer.
- Obrigada por me ouvir dona, eu estava precisando desabafar.
- Boa sorte meu jovem (desculpa, nem perguntei seu nome), que Deus te proteja, boa sorte!
- José Eduardo – respondeu ele ao descer do ônibus- obrigado, amém!
Eu e a religiosa continuamos a viagem. Fiquei olhando aquele rapaz e imaginando qual seria o desfecho da sua história. Comentei com a senhora e ela disse que era a primeira vez que tinha ouvido uma história como aquela. Talvez nunca tenha dado atenção para o passageiro ao seu lado.
Pensei em quantas histórias como essa existem por aí. Reencontros graças a esse tal de Facebook!
Sua visita me deixa muito feliz!
Obrigada!!
Beijos,
Cidália.