As mentiras passaram a fazer parte da minha vida, da minha rotina. Eu mentia em casa, para minha namorada e para qualquer pessoa que conversasse comigo.
Também omitia muita coisa, tanto da minha mãe quanto da minha namorada. Edileusa era uma boa moça, de família respeitável, merecia um namorado melhor, honesto e trabalhador. Não merecia alguém como eu.
Concluí o 1º. Grau e consegui um emprego de meio período, das 13 às 17:30h num lavador de automóveis. Comecei a estudar a noite, no antigo colegial e de manhã podia acordar mais tarde.
Era um trabalho legal e eu tinha um salário para gastar como quisesse. O sonho de muitos jovens. Aguentei firme nos dois primeiros meses. Eu usava o dinheiro para manter meu vício sem que ninguém desconfiasse.
Meus “amigos” da pesada continuavam estudando comigo. No terceiro mês de aula chegou um aluno novo que logo se enturmou conosco. Ele era discreto, assim como meus “amigos” e eu.
Entendemos que não podíamos chamar a atenção o tempo todo.
Quando resolvemos nos “separar” na sala de aula e na escola percebemos que deixaram de apontar o dedo para nós quando acontecia alguma coisa.
O dedo passou a ser apontado para um aluno que morava num abrigo e tinha um histórico familiar que inspirava pena. O pai estava morto e a mãe presa.
Com a chegada do novo aluno que veio da capital, conhecemos outras drogas. A dependência foi aumentando. Precisávamos de mais dinheiro. Combinamos roubar o meu local de trabalho. Os meus “amigos” não estavam trabalhando e o dinheiro em casa era contado.
Dei a eles as dicas e consegui fazer uma cópia da chave da entrada. Num final de semana, saí para levar a namorar ao cinema. Foi o que disse à minha mãe. Para Edileusa falei que ia visitar minha irmã mais velha e passaria a noite lá com meus sobrinhos.
Entramos no lava rápido e roubamos o pouco dinheiro que estava numa gaveta da escrivaninha. O dono só levava para casa quando era uma quantia maior. Como era pouco dinheiro roubamos o computador e um aparelho de som.
Na segunda feira quando cheguei os olhares caíram sobre mim. Fui demitido e meu patrão deu queixa na delegacia. Como não havia provas, minha namorada mentiu ao meu favor, não puderam fazer nada contra mim.
- Diogo, só menti que estava com você por causa da sua mãe. O que você fez? Foi você quem roubou o lava rápido?
- Não fui eu, acredite. Pedi para você confirmar que estava comigo no sábado, porque eu fui me encontrar com um amigo que mora no abrigo. Se souberem que eu estava com ele vão achar que somos culpados.
- Mas o que tem de errado em você visitá-lo no abrigo? Se ele mora lá, não vejo nada de mal nisso.
- Acontece que não nos encontramos no abrigo, ele saiu escondido e fomos fumar na beira do rio. Como a mãe dele está presa, poderia ser apontado como meu cúmplice se eu dissesse que estava com ele, entendeu?
Eu precisava tomar cuidado para não ficar enrolado nas mentiras que inventava. Sorte que a Edileusa estava apaixonada e acabava acreditando em mim. Fazia o que eu pedia.
Minha mãe ficou chateada com o meu ex patrão.
- Onde já se viu acusar você de roubo! O que ele pensa? Você é um rapaz de família.
Enquanto isso meus “amigos” entregaram os produtos do roubo para o novo “amigo” que sabia o que fazer com aquilo. Recebemos o nosso pagamento em drogas.
Assim que a poeira abaixou combinamos outro roubo. Dessa vez armamos uma armadilha para que a suspeita caísse sobre o colega do abrigo, o Rodrigo.
Invadimos, num domingo a noite, uma casa que estava fechada; os donos estavam viajando. Levamos o que pudemos carregar. O novo “amigo” pegou o carro escondido do pai para facilitar o nosso serviço.
Marcamos com o Rodrigo para ele se encontrar conosco na praça para jogar cartas. Terminado o roubo eu e mais um “amigo” fomos nos encontrar com ele. Inventamos uma desculpa para o nosso atraso.
- Se vocês demorassem mais um pouco eu já teria ido embora. Estava cansado de ficar aqui olhando para o céu. A lua estava ficando enjoada da minha companhia, ironizou ele.
Jogamos cartas por uma hora mais ou menos e nos despedimos.
Como sempre menti para as duas mulheres que se preocupavam comigo.
Na segunda feira, na hora do intervalo, na escola, um dos meus “amigos” colocou um anel de ouro no bolso do Rodrigo sem que ele percebesse.
A família que tivera a casa roubada chegou em casa na terça feira e chamou a polícia. Encontraram na casa uma caneta esferográfica com o nome do Rodrigo e da escola.
Os produtos roubados não foram encontrados, mas o Rodrigo foi o bode expiatório, além da caneta ser dele; a surrupiamos para incriminá-lo, ainda o anel foi encontrado no bolso da calça dele.
Quando ele falou que estava na praça comigo e com o Augusto (um dos meus "amigos"), nós falamos o horário que chegamos lá e não serviu para inocentá-lo. A polícia chegou à conclusão que o roubo tinha acontecido no domingo porque nesse dia o Rodrigo tinha pedido autorização para sair. Mas, quanto ao horário, ele podia ter cometido o furto antes de chegarmos, a casa ficava nas proximidades.
Como era menor de idade o Rodrigo não foi preso e a polícia continuou investigando para tentar descobrir quem mais estava envolvido, o rapaz não poderia ter roubado sozinho. Ele continuou batendo o pé que era inocente.
Ao saber do ocorrido minha mãe, mais uma vez me defendeu.
- Meu filho, você saiu com a sua namorada para passear na praça nesse dia. O rapaz falou que você estava jogando cartas com ele e outro aluno da turma.
- Ele deve ter me visto na praça com a Edileusa. Fiquei com pena dele e confirmei o que ele disse para a polícia.
- Você é um filho de ouro, tem o coração bom. O rapaz inventou uma história e você confirmou para ajudá-lo. Tenho orgulho de você.
Minha namorada, dessa vez, puxou a minha orelha.
- Por que você falou que ia dormir na casa do seu primo Maurício e estava na praça com um dos seus colegas? Pensei que vocês não andassem mais juntos.
- Não menti para você, fui dormir na casa do Maurício e foi ele quem me convidou para darmos uma volta na praça, daí encontramos os carinhas.
-E por que o Maurício não foi citado na delegacia? Ninguém falou o nome dele pelo que entendi.
- Achei melhor deixar meu primo de fora. Coisas de família. - Cada vez eu me enrolava mais na teia de mentiras. Precisava rever minhas ações. Se a investigação continuasse eu poderia ser pego. Precisava arrumar um jeito de fazer a minha namorada esquecer aquele assunto. Tinha que torcer que a polícia desistisse do caso.
Meu pai e meus irmãos deixaram de pegar no meu pé. Eu tinha a minha mãe que era a minha defensora.
Às vezes eu tinha a impressão que meu pai não ligava muito nem para mim, nem para meus irmãos. Raramente eu o via brincando com os netos. Ele chegava cansado do serviço e só queria descansar. Sempre agiu dessa maneira. Nunca deixou faltar nada para nós, porém não tinha tempo para brincadeiras.
Lembro que eu sentia inveja dos meus amigos que comentavam sobre os domingos que passavam com os pais, jogando bola ou empinando pipa.
Agora meus domingos eram compartilhados com meus “amigos”, usando drogas ou roubando, conforme a nossa “necessidade”.
E assim eu ia levando a vida, vivendo-a com intensidade, sem pensar nas consequências.
Continua...
Obrigada pela visita,
Cidália.
Segue o link da primeira parte da história,
http://contosdacabana.blogspot.com.br/…/02/arrependimento.h…
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