Aos 90 anos de idade Seu Jorge, conhecido por todos pelo
apelido de "Dinho”, é um senhor de cabelos brancos, muito vaidoso (na hora
da foto coloca seu chapeuzinho e faz positivo com o polegar).
Até pouco
tempo, dois anos mais ou menos, ele dirigia. Sempre gostou de ser independente. Um
homem trabalhador que desde muito jovem arregaçou as mangas e foi à luta. Foi
criado, segundo ele, pelo padrinho. Sua mãe não tinha apego aos
filhos.
Talvez, a
questão nem fosse o apego, quem sabe ela se "desfazia" dos filhos
devido a falta de comida em casa. Provavelmente ela pensava no bem deles e
sabia que fora dali eles teriam mais chance de viver melhor. Para uma mãe era
difícil ver o filho passando fome e não poder fazer nada.
A vida na
zona rural nos anos 30 era dificílima para quem não tinha um bom pedaço de
terra para plantar.
Por causa
de uma briga inocente com um dos seus irmãos, Jorge, vulgo Dinho, foi expulso
de casa aos seis anos de idade. Quem o acolheu foi seu padrinho, um homem
remediado. Na sua casa não faltava o que comer.
Três dias
após o ocorrido, Dinho encontrou seu pai, por acaso, e o evitou.
- Fiio -
ele o chamou- Sei que ocê tá mió na casa do cumpade.
Cabisbaixo,
Dinho seguiu seu rumo sem responder ao pai.
Dali em
diante, Dinho trabalhou na roça fazendo o que estava ao seu alcance, ele via
seus irmãos de vez em quando.
O tempo
passou e ele se "engraçou" pela jovem Maria. Casaram-se e foram morar
na casa de seu irmão mais velho que era casado e tinha uma filha pequena. Esse
irmão também havia sido expulso de casa pela mãe e fora criado pela avó.
Se a vida
era difícil para uma pessoa, imagina para duas ou mais pessoas. A comida era
escassa, precisava ser controlada. Naquela época não existia desperdício.
O jovem
Dinho era um rapaz determinado. Aprendeu a ler com seu irmão mais velho que por
sua vez, aprendera sozinho, tal era a vontade de ler e fazer contas.
Na escola
da vida, Dinho aprendeu muito. Saiu para trabalhar em outro município, porém
depois de algum tempo voltou com a família para a zona rural. Os filhos
começaram a chegar e ele sentiu a necessidade de ter a sua casa.
Esse
retorno para a sua terra foi muito bom. Dinho se deu bem nas plantações,
principalmente na plantação de cana de açúcar.
A partir
dali, Dinho começou a "juntar" as moedas e mesmo com todas as
dificuldades para criar os filhos conseguiu, aos poucos, aumentar seu
patrimônio, tornou-se um homem próspero. Foi um bom negociante.
Hoje, recordando
o passado, a mágoa que ele sente é não ter aproveitado mais a vida com a
esposa. Ela faleceu sem conhecer o mar. Não que ele não a convidasse para sair,
o fato era que ela era uma mulher caseira.
Maria não
gostava de usar sapatos, o calçado que usava era o chinelo, por isso tinha
vergonha de sair. Para Maria, cuidar do marido, dos filhos e da casa era o
suficiente. Ela era uma pessoa muito tímida e retraída.
Ao ficar
viúvo, Dinho se tornou alvo de conquista. Afinal, aos olhos das mulheres viúvas
ele era um bom partido. Ele chegou a se envolver com uma senhora, alguns anos
depois de uma vida solitária. A tal senhora, distinta, morava na cidade e não
se acostumou na zona rural. Dinho, por sua vez, também não conseguiu viver na
cidade. Os dois, infelizmente, não encontraram um denominador comum.
Uma outra
senhora que se interessou por ele não deu certo porque ela gostava de dançar e
ele não. Essa mulher encontrou um outro viúvo que gostava das mesmas coisas que
ela e se casaram. Os dois curtem a vida juntos.
Com o
passar do tempo, Dinho arrumou uma companheira que foi morar com ele. Uma
senhora muito pacata e tímida. Ele pensou que tinha, enfim, encontrado alguém
para viver com ele até o final da vida. Tudo parecia bem até que se
separaram.
Relembrar
o passado é tudo o que resta ao Dinho. Não que ele não tenha outros assuntos.
Ele está com a memória muito boa e está por dentro das notícias da atualidade.
Até dá alguns conselhos aos jovens. Falar do passado para ele é manter viva a
lembrança daqueles que se foram.
Na sua
vizinhança há somente um outro senhor que tem a sua idade. De vez em quando
eles conversam.
Nos
outros dias Dinho passa muito tempo deitado, esperando que apareça alguém para
ouvir os seus "causos".
Muitos
idosos passam o dia à espera de alguém para exercitarem a memória,
principalmente, aqueles que não têm um passatempo ou que têm dificuldade para
se locomoverem.
No caso
do Seu Dinho, ele ainda mora sozinho porque gosta de ter autonomia, de manter a sua
independência. Ele mora bem próximo dos filhos e uma das filhas que mora em
frente tem a chave da casa e está sempre de "olho" nele. Todos os filhos são muito cuidadosos e têm um grande respeito pelo pai.
Quanto à
mãe, Dinho não guardou ressentimento pelo que aconteceu na sua infância. Foi na
casa dele que ela viveu seus últimos anos, sob seus cuidados e da sua esposa
Maria.
Seu Jorge, aquele que tem seus motivos para preferir ser chamado por Dinho,
disse que sua história é digna de um livro. Pode ser que em breve este
conto se transforme num livro, quem sabe? Seu Dinho tem muitas histórias para
contar.
Sua
visita é bem-vinda, obrigada!
Cidália.