foto tirada da internet
Não se vive remoendo o passado.
Poderia ter sido assim.
Eu não queria isso.
Me impuseram.
Não tive escolha.
Não pude decidir.
É preciso aceitar o presente.
É preciso aceitar as mudanças.
É preciso saber viver.
É preciso aprender a conviver com a realidade.
Mas, mesmo sabendo tudo isso, no silêncio da noite, de joelhos dobrados, ele reza e chora.
Ele reza pedindo a Deus que tenha misericórdia, que faça o melhor na sua vida nos anos que lhe restam.
Ele chora ao pensar que precisa aceitar a realidade.
Ele chora pela vida alegre que poderia ter se tivesse se imposto. Poderia ter continuado a sua rotina, aquela mesmice de sempre que o acalentava.
Ele chora ao sentir-se arrependido de ter saído da sua antiga casa, da sua cidade natal.
Ele se tornou um homem triste, sem amigos, sem a presença (por perto) dos familiares. Os filhos têm os seus afazeres, uma vida atribulada.
Ele passa os dias se lamentando.
A saudade é a sua companheira nos dias vazios, nas noites solitárias.
Ele pensa nos colegas que deixou para trás.
Ele pensa nos familiares que estão longe.
Ele relembra os conhecidos que já partiram.
Ele pensa no sofrimento que está passando enquanto aguarda há quase um ano por uma dentadura. Uma dentadura que não foi escolhida por ele. Mais uma vez ele se deixou levar pela vontade dos outros. Sua gengiva está deformada. Sua alimentação teve que ser mudada. Faz muito tempo que ele não come determinadas comidas, não tem como mastigá-las.
Ele pensa que quando chegar a sua hora vai partir banguelo.
O dinheiro vai e nada da dentadura.
Ele passou a Páscoa esperando por ela.
Ele passou o Dia dos Pais e nada.
Chegou a primavera, a eleição e nada da dentadura.
Apenas promessa.
Na solidão do seu quarto, ele chora.
No telefone, ao falar com as sobrinhas, ele chora.
Os assuntos são sempre os mesmos.
Ele gosta de saber das novidades para ficar inteirado sobre os acontecimentos da sua cidadezinha.
Ele chora. Ele daria tudo o que tivesse para voltar aos velhos tempos. A missa nas noites de domingo. As conversas com os amigos nas tardes ensolaradas. O café no bar da esquina nas manhãs preguiçosas.
Como ele era feliz!
Ele pensa em como seria bom envelhecer e levar a vida como sempre, com autonomia.
Que saudade!
Hoje ele convive apenas com as lembranças que não o abandonam.
Chora coração.
Ele era feliz e não sabia.
Por quanto tempo chorará?
Ele quer visitar os familiares e os amigos. Terá que ir sem a bendita dentadura? Na sua idade era para ter feito a dentadura comum como estava acostumado. Por que inventarem moda? Uma dentadura fixa, com pinos que só serviram para machucar a sua gengiva? Para fazê-lo sofrer a cada ida ao consultório?
Ah, se arrependimento matasse!
PS: Que este texto sirva de alerta, os idosos não são crianças, eles têm vontade própria. Se a mente está boa, eles estão aptos para tomar decisões. Os filhos só podem decidir por eles em casos específicos.
Obrigada pela visita,
Cidália.
,