terça-feira, 24 de julho de 2018

Prece





Ao som da passarinhada, sentada sob a sombra do pinheiro, numa tarde ensolarada, ela aprecia a magnitude da natureza.

As flores ao seu redor refletem a beleza do universo. Seus olhos acompanham as maravilhas que a cercam.



Nessa mansidão da tarde, ela reflete sobre a vida. Ela pensa nas pessoas que não sabem apreciar os bons momentos que lhes são oferecidos a cada manhã. Pessoas que vivem atormentadas pelo medo, que se afundam dentro de si, levando àqueles que lhes querem bem à incerteza, à insegurança e ao desespero.

Ela sabe que nada pode fazer, pois essas pessoas precisam se ajudar, precisam querer sair do marasmo que as consomem.

Há aqueles que dizem que falar é fácil, que só quem está vivendo a situação é que sabe o que está passando. Sem sombra de dúvidas!

Então, o que fazer para tentar ajudar essas pessoas? Somente os especialistas poderão ajudá-las desde que essas pessoas aceitem ser ajudadas.

Se elas preferem ficar no seu cantinho, sem ver a luz do sol, sem ânimo para se alimentar ou se vestir, como alguém poderá ajudá-las?

O problema se torna grande quando os familiares envolvidos não sabem como lidar com a situação ou já perderam a paciência.

E quando há crianças envolvidas, então a situação se torna muito pior. As crianças sofrem em silêncio, sentindo-se incapazes, preocupadas.

Ao notar os últimos raios do sol, uma pequena réstia sobre parte do quintal, ela imagina essas pessoas dando um passo em direção à luz.




A luz que as encherá de esperança. A luz que lhes mostrará a beleza da vida, levando-as ao encantamento, levando-as à reflexão.

- O que estou fazendo da minha vida? Há pessoas que precisam de mim, que dependem dos meus cuidados. Preciso reagir, procurar ajuda.

Ao admirar o pôr do sol, ela faz uma prece em prol dessas pessoas. Quem sabe num futuro próximo essas pessoas “despertem” para a vida. Que elas percebam o quanto são importantes para àqueles que as rodeiam. Que elas sintam o amor em cada olhar a sua volta. Que elas tenham coragem e vontade de reagir. Que elas apreciem o canto dos pássaros. Que elas busquem dentro de si a fé e a força para vencerem o desânimo. Que elas encontrem algo prazeroso para fazer. Algo que as façam felizes!

Grata pela visita,

Cidália.

terça-feira, 17 de julho de 2018

Colo de mãe


Quando se é adolescente a pressa em chegar à maioridade é muito grande. Os jovens contam nos dedos o tempo que falta para se livrarem da casa dos pais. Pensam que a vida será um mar de rosas longe da família.

No início tudo parece fácil. Mudar de cidade, conhecer outras pessoas, se encantar com as novidades.
De repente, a nova rotina mostra que tudo não passava de ilusão. Uma doce ilusão. Lavar a própria roupa, arrumar a casa, lavar o banheiro, descongelar a carne (senão não terá comida), lavar a louça, faz o jovem sentir uma grande saudade do colo da mãe.

A mãe lavava a sua roupa, arrumava seu quarto, lavava o banheiro, preparava a sua comida, lavava a louça e nunca reclamava. Tudo estava pronto na hora certa. A única preocupação do jovem era estudar.

Então, porque a pressa de deixar para trás o colo da mãe? Bendita pressa que apressa tanto o jovem na sua adolescência.

É chegada a hora de crescer, de aprender a tirar o pó, de cozinhar, de lavar e passar a própria roupa.
É hora do jovem caminhar com as suas pernas, de desmamar (como diziam os mais velhos). Tudo tem o seu tempo para acontecer, não há necessidade de acelerar o tempo.

Os meses voam e o jovem não vê a hora de voltar para a casa dos pais para passar as férias. Como é bom ter o colo da mãe por algumas semanas! Por alguns dias no meio do ano o jovem descansa daquela rotina cansativa de estudar e ter que cuidar dos afazeres da casa. 

A mamãe nunca se cansa. A mamãe não reclama. A mamãe faz tudo com amor. A mamãe quer ver o (a) filho (a) feliz.

Nesse período de férias, o jovem pode dormir até o meio dia e apenas curtir o descanso merecido.

Agora aquele jovem que não via a hora de sair de casa aconselha a irmã e os primos mais novos.

- Não tenham pressa de sair de casa. Curtam o colo da mãe enquanto podem, a rotina, depois que passamos a morar sozinhos é outra, muito desgastante.

A melhor fase, sem dúvida, é aquela em que o único compromisso do jovem é estudar para tirar notas boas.

Depois que ele opta por sair de casa, além do compromisso de estudar, o jovem tem que aprender a se virar, tomar decisões, cuidar do lugar onde mora. Ele tem que ter responsabilidade.

Sem dúvida essa nova fase acrescentará muito à vida do jovem. Tirando a saudade do colo da mamãe, ele vai ter oportunidade de crescer, de ter autonomia, de enfrentar e vencer os desafios.

Esse jovem se tornará uma pessoa segura de si, realizada profissionalmente, será um vencedor.

O colo da mãe? Ele terá sempre que quiser, independentemente da idade. Basta ligar ou mandar uma mensagem. A mãe fará seu prato preferido.




Sua visita me deixa muito feliz, responderei seu comentário com carinho.

Obrigada,
Cidália.


terça-feira, 10 de julho de 2018

Abandono





Ao menos uma vez no semestre ela se viu bonita e bem cuidada. Unhas feitas e cabelo pintado. Presente do dia das mães. Sua autoestima foi elevada. Ela recebeu as amigas sentindo-se muito feliz. O sorriso ia de orelha a orelha. Dessa vez ela tinha algumas novidades para contar.
Pena que algumas pessoas lembram das mães apenas no segundo domingo de maio. Então, seus fios de cabelo branco voltaram a aparecer e suas unhas não ganharam mais cor.
Sua mente vacila, talvez esteja perdendo as memórias recentes. Ela demonstra cansaço por passar o dia sentada, assistindo qualquer coisa na televisão. Sente vontade de sair e ver gente. Precisa encontrar alguém que tenha paciência para ouvi-la. A necessidade de falar é muito grande.
Às amigas ela conta uma história sobre suas idas ao ponto do ônibus para ver gente e conversar. Parece uma história fictícia. Ou talvez momentos vividos no passado voltem à sua lembrança como se tivessem acontecido recentemente. 
Em outro momento diz que sente medo para sair sozinha. As reportagens policiais estão assustando-a. Apesar da grande vontade de sair ela não se arrisca. O medo é maior que a vontade.
O prato do almoço ainda está sobre a pia com o resto de comida. Ela recebe o prato feito, não tem o direito de fazer seu próprio prato. Até isso já perdeu. Bem que ela gostaria de se servir, escolher o que quer comer e repetir se tivesse vontade.
Ao ver a mesa posta para o café com as guloseimas levadas pelas amigas ela sente-se envergonhada.
- Vocês não precisavam ter trazido essas coisas.
- Não se preocupe, já que você não vai a nossa casa, nós trouxemos o lanchinho para comermos juntas - diz uma delas.
Ela já foi uma ótima anfitriã, sempre recebeu as visitas com a mesa farta. Bolinho de chuva, bolo de roda, curau, cuscuz, queijo, café fresquinho e leite.
Ainda lembra de como cozinhar o arroz. Ela faz questão de detalhar cada passo. Fala do arroz com frango caipira que fazia. Tempo bom quando tinha autonomia para comprar e cozinhar o que quisesse.
Talvez ela esteja se sentindo velha demais para se importar com as coisas ao seu redor. Aceitar as novas condições de vida que lhe foram impostas é mais conveniente? Talvez seja, quem sabe!
Ela já viveu tantas coisas boas e muitas coisas ruins, mas sente que muitas dessas lembranças estão se esvaindo da sua memória. Principalmente as lembranças mais novas. E até àquelas que ela não gostaria de esquecer. 
Ela sabe que o tempo não perdoa. Ela sente em cada membro do corpo que está perdendo a mobilidade. A falta de uma atividade física é sentida. Ao menos ela caminhasse, se houvesse incentivo! 

Ela já não tem mais a mesma disposição de antigamente. Poucas coisas lhe causam alegria. Até o choro que estava contido voltou a lhe inundar os olhos.
Ela chora por se sentir prisioneira. Diz às amigas que sente saudade da época em que trabalhava, pois nessa época era livre e estava sempre rodeada de gente. Podia conversar, rir, se distrair, se divertir nos encontros pedagógicos.
Hoje em dia os colegas de trabalho talvez nem se lembrem mais dela. Poucas amigas a visitam. Apenas duas são fiéis à amizade. São elas que a ajudam a manter a serenidade.
O abandono é o sentimento que lhe causa maior sofrimento. A falta de alguém para conversar. A solidão é a sua companheira. Não há mais interesse por nada. Tornou-se uma pessoa sem vontade própria, sem desejos, sem utilidade.
Cada dia que passa, o sentimento de tristeza invade a sua alma. Ela só sabe das novidades quando suas amigas a visitam.
Todos os seus dias são mornos. Sem esperança de sair daquela “prisão”. Aos olhos de muitos ela tem vida de rainha, não precisa fazer nada, recebe tudo na mão. Aos seus olhos ela é uma pessoa inútil, descartável. Sente-se como um pássaro ferido que vive aprisionado numa gaiola e que "inveja" a liberdade do outro que pode voar livremente.

Como um pássaro ferido, com o peito dilacerado, ela sente o coração sofrido. Sua mente ainda não se perdeu completamente. Assim fosse, pois então não se sentiria tão só e carente.


PS: Desenhos feitos pelo meu sobrinho Marcos Wagner.

Sua visita me deixa muito feliz!
Obrigada,
Cidália.