sábado, 29 de abril de 2023

Um domingo qualquer






Mais de dois meses sem ir à missa, por conta da recuperação de uma cirurgia no joelho, ela foi com um amigo num domingo a noite.

No final, enquanto aguardava o amigo, ela conversava com o padre quando um senhorzinho se aproximou e perguntou se alguém poderia levá-lo para casa.

O padre pediu, então, ao amigo dela.

E lá se foram os dois seguindo as instruções do senhorzinho. Percorreram um longo caminho por uma estrada deserta. Passaram por fazendas, chácaras e sítios. Onde morava o senhorzinho? Segundo ele, já haviam passado pelo endereço. Voltaram e nada de encontrar a tal casa naquela noite fria.

O condutor do veículo e sua amiga pensaram em procurar a delegacia. Seria um bom lugar para deixar o senhorzinho. 

Nas conversas que tiveram com ele ficaram sabendo que aquele idoso saíra ao meio dia de casa com um guarda chuva no braço e uma mochila nas costas, e fizera o percurso a pé. Ele morava sozinho, não tinha família.

A delegacia estava fechada, então tiveram a ideia de pedir informações no pronto-socorro da cidade. Não encontraram nenhuma informação sobre aquele homem. Ele estava sem documentos, apenas disse seu nome.

Duas funcionárias convenceram o senhorzinho para que ele passasse a noite no pronto-socorro. Era a melhor solução. Ali ele estaria abrigado e no dia seguinte seria mais fácil de encontrarem a casa dele.

O bom samaritano e sua amiga voltaram para casa quase às 23h, porém, não conseguiram tirar da cabeça aquele pobre senhorzinho.

Muitas perguntas sem respostas.

Será que aquele idoso tem Alzheimer e fugiu da família?

O que levou aquele senhor a percorrer quilômetros a pé naquele domingo? Como ele aguentou?

Será que ele vai aguentar passar a noite num quarto do pronto-socorro?

O nome que ele falou é seu verdadeiro nome?

As duas funcionárias que o receberam no pronto-socorro encontrarão a casa do pobre homem? Ou alguém da família? Ou alguém que o conheça? Ou…ou…ou…

 

E lá vamos nós a pensar no envelhecimento.

 

O que fazer quando a mente envelhece antes do corpo? Quando o corpo ainda aguenta  caminhar alguns quilômetros, mas perdeu o domínio da mente?

Se o senhorzinho mora sozinho na zona rural e já não consegue encontrar o caminho de volta, como ele se vira? Como ele sobrevive? Como é a sua casa? 

Muitas são as perguntas. 

 

Lá vai o senhorzinho com seu guarda chuva dependurado no braço carregando uma velha mochila…

Sem lenço e sem documento.

Ele anda devagar sem olhar para trás.

Dentro da velha mochila uma garrafinha de água.

Seus passos vão diminuindo num ritmo muito lento.

De vez em quando ele para e olha ao seu redor. Nada vê, além das árvores e arbustos. Nada ouve, além do canto de algum pássaro.

Naquela estrada deserta, nenhum automóvel, nenhuma bicicleta, nem ninguém passa por ele.

É domingo, dia em que os trabalhadores descansam. 

Naquele ritmo desacelerado ele chega na cidade ao entardecer e vê a igreja aberta. Com a barriga vazia ele senta num dos bancos e assiste à missa.

Quando a missa termina ele vê o padre e pede uma carona.

O padre não o conhece e não sabe a sua história. Não sabe que ele passou o dia caminhando. Não sabe se ele se alimentou. O padre arruma a carona.  

 

E assim começa a aventura para aquela senhora que retornou à igreja após dois meses. 

 

O que será que aconteceu com o tal senhorzinho? 

Quantas pessoas vivem assim, sozinhas, perambulando por esse mundo a fora?

Será que mais alguém ficou curioso assim como eu?

 

Obrigada pela visita,

 

Cidália.