sábado, 7 de outubro de 2023

Pó de giz




Eu e algumas amigas aposentadas relembramos fatos que marcaram o início de nossa carreira no magistério. O mês de outubro para nós que estamos afastadas da sala de aula há um bom tempo é um mês de recordações. Todas nós temos muito em comum. O nosso sonho era ser professora. Trabalhamos com amor e dedicação. Enfrentamos com dignidade os desafios da profissão. 

O início de carreira na zona rural foi difícil para a maioria. A condução era o maior problema dependendo do lugar. Outra dificuldade era dividir o tempo entre ensinar, fazer a merenda e limpar a escola. Não apenas a sala de aula, mas a cozinha e os banheiros. Em alguns bairros o professor ou professora precisava ficar a semana. Em outros, tinha ônibus de manhãzinha e no final do dia, o jeito era pegar carona com algum bananeiro quando dava sorte. Uma vez por mês a carona de volta com o motorista da prefeitura que levava a merenda era garantida. Muitas vezes algumas amigas, assim como eu, tivemos que subir na carroceria e comer poeira pelo caminho. Chegávamos em casa com o pó até dentro do nariz. O trabalho não terminava quando fechávamos a porta da sala, a aula precisava ser preparada, o material didático ser confeccionado. Andar alguns quilômetros a pé era necessário. Em determinadas escolas o ônibus não passava. Atravessar rios sobre os troncos de árvores era até divertido quando os alunos precisavam segurar a minha mão. Os dias chuvosos eram os piores. O ônibus encalhava e não conseguia chegar ao ponto final. Não restava outra alternativa a não ser enfrentar a distância a pé. Dificuldades à parte, há muitas lembranças boas.

 

 

Da primeira escola, Ribeirão da Batata, lembro do dia em que fui conhecê-la. Era na semana que antecedia o carnaval, voltei com as pernas picadas pelos borrachudos. Como estava um dia muito quente  nem pensei em colocar uma calça comprida e um par de tênis. Quem me acompanhou foi meu marido que estava de folga naquele dia. Para mim, colher amoras com os alunos nas proximidades da escola, enquanto aguardava uma carona, era muito bom. As crianças que moravam perto gostavam de me fazer companhia. Algumas vezes eu caminhava até um ponto, perto da casa de uma aluninha, para esperar outras colegas.  A mãe dessa menina me servia um copão de café. Melhor ainda, foi reencontrar alguns desses alunos muitos anos depois e saber que lembravam de mim com carinho.

 

Assim que Elilde se formou no magistério, o primeiro ano como professora foi em um bairro chamado Votupoca na cidade de Registro. Naquele tempo não existiam muitos horários de ônibus para a zona rural. Só tinha um horário de manhã bem cedinho, então ela tinha que passar a semana na escola. Ela lecionou para uma classe multisseriada. Marinheira de primeira viagem teve algumas dificuldades, mas valeu muito a experiência. A partir do segundo ano ela já conseguiu trabalhar em uma escola na cidade e assim foi até a efetivação. Conseguiu completar o tempo para a aposentadoria e dá graças ao bom Deus por essa profissão tão sublime que a permitiu contemplar os alunos sendo alfabetizados. Hoje, saber que muitos deles são formados e que ela teve uma parcela de contribuição em suas vidas a deixa muito feliz.

 

Apesar das dificuldades de ter que andar quilômetros a pé e atravessar um riozinho com os braços carregados com o material didático, tudo era novidade, uma bela aventura para a recém-formada, Laurici. Limpar a escola, fazer a matrícula dos alunos, fazer a merenda, lavar a louça, eram tarefas realizadas com prazer. Ao ver o sorriso daquelas crianças, umas de pés descalços, com o material escolar dentro de um saco plástico (embalagem de arroz) quando ela chegava à escola, era compensador. Ela desempenhava vários papéis, professora, merendeira, faxineira, secretária, psicóloga, mas não sentia o cansaço, estava sempre com muita disposição. A classe era multisseriada, com poucos alunos de cada série. O trabalho rendia, as crianças demonstravam interesse em aprender, eram esforçadas porque sabiam que podiam ser reprovadas. Havia respeito tanto pelos alunos como pela comunidade. Ela se sentia valorizada. Os alunos gostavam de ver seus nomes no cartaz dos ajudantes do dia. As tarefas eram apagar a lousa, distribuir e recolher os livros didáticos. Muita coisa mudou de lá para cá, infelizmente.

 

 Amelinha relembrou da turma e do curso de magistério, dos momentos especiais, gratificantes. Após a formatura ela saiu com muito desejo no coração de trabalhar, de dar o melhor de si, de ter o próprio dinheiro para comprar suas coisas. Pretendia, assim como os colegas da turma, vivenciar na prática tudo o que aprendera. Ela foi conhecer a primeira escola, Manoel Gomes, acompanhada pelo pai. Onde ficava a escola? Não chegavam nunca! Só depois de pedirem informação a uma pessoa que encontraram, por acaso, foi que avistaram a escola, na verdade, uma casa, num barranco. Ao abrirem a porta ouviram um barulho como se o local fosse mal-assombrado e a porta caiu. O banco era de dois lugares para os alunos se sentarem. Tudo o que viam era sujeira e o mato ao redor. O pai, um homem resolvido, falou que só precisavam fazer uma limpeza. Enquanto seu pai capinava os arredores, Amelinha fez uma faxina dentro, limpando e lavando tudo. Eram somente 9 alunos que moravam distante, eles tinham que andar muito para chegar à escola. Eram crianças carentes que precisavam de bastante atenção. Os dez anos que trabalhou na zona rural foi o melhor período da sua carreira. Foi uma experiência gratificante.

 

Areli lembra das dificuldades que enfrentou quando pegou a primeira escola em 1982. A escola, Itarapuna, era vinculada à outra que ficava no município de Cananéia. Ela tinha que sair de Registro no domingo à noite e pernoitar no hotel do seu Lúcio. No dia seguinte, bem cedinho, pegava a lancha e viajava mar adentro. Quando chegava num determinado ponto, um aluno chamado João a esperava com uma canoa. Ele a levava até um mangue. Para atravessar esse mangue era necessário usar as pernas da calça comprida, enfiadas dentro de uma bota de borracha. Uma vez ela acabou afundando. Levavam muito tempo para chegar à escola. Areli passava a semana na escola, não tinha como sair dali. A lancha aparecia 2x na semana e para chegar até ela era muito difícil. Nas proximidades da escola havia apenas uma casa onde morava a família do Sr. João. Ali morava o casal e três filhos. Os meninos, Lúcio e Paulo que era novinho, o nome da mãe e da menina foram esquecidos. Ao pensar nessa família que a acolheu com carinho ela sente saudades.  Ali naquele lugar se alimentavam da caça e da pesca. Nos primeiros dias de aula choveu muito, a água ficou turva. A vizinha fez uma peixada que fez mal a jovem professora. Quanto às reuniões pedagógicas, era preciso ir à cidade. Com o passar do tempo ela foi se adaptando àquela rotina. Areli conta que os pais não queriam que ela fosse trabalhar naquela comunidade porque ela ficaria sozinha. Mas, a recém-formada precisava aprender a voar, se tornar independente, colocar em prática tudo o que aprendera no curso de magistério. Hoje, ela dá glória a Deus ter passado por essa experiência. Apesar de todas as dificuldades foi graças a essa escola que ela chegou aonde está. 

 

Em 1984, início de carreira, enquanto as colegas pegavam afastamentos ou licenças de outros professores, Sara conseguiu uma vaga livre. A primeira escola ficava no município de Cananéia, era uma classe multisseriada. Essa vaga foi indicada por duas amigas que trabalhavam na Sede, antigo ginásio, como eventuais e sabiam que ela tinha preferência por escolas de difícil acesso. O diretor não sabia mais o que fazer, nenhum professor parava naquela escola. Havia briga entre duas comunidades, Pontal Leste e Enseada da Baleia. A mãe disse que Sara não precisava assumir a escola, ninguém estava morrendo de fome, mas ela levou algumas mudas de roupas quando recebeu o comunicado (o diretor ligou para sua vizinha) e foi conhecer a escola. Acabou ficando lá um mês. Não tinha como viajar toda semana, Sara dependia da travessia de um barco. A Escola era um casarão de madeira. No bairro morava seu Malaquias, um pescador, com sua família. Um ótimo lugar. O bairro era conhecido como enseada da baleia pelo fato de uma baleia ter sido encontrada morta no local. A jovem professora, determinada e destemida, era responsável e levava a sério o compromisso com a Educação. Para ela, mesmo passando horas dentro do barco para chegar até a escola que ficava no final da Ilha do Cardoso, na divisa de São Paulo e Paraná era como se estivesse trabalhando numa escola da cidade. A diferença era que na escola da cidade havia inspetor, merendeira, secretária e ali onde estava ela desempenhava todos os papéis. Os horários eram estritamente obedecidos. As datas comemorativas eram festejadas. Na semana da criança havia festa e gincanas.  Atravessando o grande braço do mar, o canal, do outro lado da divisa, tinha o forró onde os moradores se divertiam e uma igreja católica. A primeira vez ela lembra que ficou um tempão esperando o barqueiro na cidade, conhecida como cidade fantasma, que ficava no lado do Paraná. Ela lembra, também, da senhora, idosa, que a acolhia quando precisava ir à cidade. Os habitantes a respeitavam e a valorizavam. Apesar de todos as dificuldades aguentou firme e ao voltar para casa num feriado a família a acolheu com muitos abraços. O irmão a aconselhou a ficar pouco tempo para que ela pudesse fazer faculdade. Sara ficou dois anos. Dormia num barraco de madeira com frestas de 4 cm, que tampava com jornal. Banho só de caneca, a luz era de velas. Com o primeiro salário comprou um lampião a querosene. Seu companheiro nas horas vagas era um rádio à pilha. Outro passatempo era escrever. Ia para Cananéia quando havia reunião, dormia lá e procurava no centro de abastecimento de peixes para ver se conseguia uma carona até a praia. Da praia tinha que ir a pé até onde morava. Todas as dificuldades enfrentadas pela jovem professora a ajudaram em seu amadurecimento e crescimento espiritual.

 

Para Ângela, a carreira iniciou-se diante de algumas dificuldades que foram superadas pela alegria de estar com o diploma e logo conseguir entrar para o magistério. Recém-formada, a grande conquista foi ser aprovada no concurso público estadual. Ela teve que enfrentar o desafio de ir sozinha a São Paulo quando convocada para a escolha. Porém, o melhor de tudo foi se efetivar na escola, onde já trabalhava, hoje, Victório Zanon. Nessa escola Ângela atuou por vinte e nove anos.  Após trinta e dois anos exercendo a nobre missão de ensinar e aprender ela conseguiu a tão sonhada aposentadoria. Ela agradece a Deus, à família que sempre a apoiou e aos inúmeros colegas que encontrou durante a sua jornada. 

 

Sônia enfrentou muitos desafios no início da carreira. O que ficou na memória foi o desafio enfrentado para chegar à escola no bairro Guaraú. Ela descia do ônibus, caminhava pelo bananal até o rio e lá um aluno a esperava para atravessarem numa canoa velha, toda remendada. Ela não sabia nadar, por isso sentia muito medo. Todos os dias chegava ali, naquele lugar, com o coração na mão. Mas, quando pisava na escola e via seus alunos que, apesar das muitas dificuldades para chegarem ali, estavam sempre com um sorriso no rosto, ela esquecia o medo enfrentado. Seus alunos  gostavam de estudar e isso a impulsionava a continuar sempre. 

 

Em sua trajetória profissional, A.A.O., encontrou muitos desafios e em sua memória ficaram lembranças boas e ruins, pois a vida caminha assim, tudo faz parte do aprendizado. Alguns momentos especiais com os colegas de trabalho, outros com os alunos deixaram marcas de carinho, afeição e troca de conhecimentos. Durante o período em que trabalhou nas áreas rurais, muitas vezes ela sentiu medo, pois o acesso até a escola era difícil, principalmente quando chovia. A.A.O. conta que sentiu decepções em relação ao aprendizado dos alunos, mas nunca desanimou, buscando sempre compreender as dificuldades e necessidades das crianças e dos pais. O respeito das crianças para com ela, a obediência, a colaboração no preparo da merenda, de manter a sala organizada, a escola limpa, a solicitude, o prazer deles estarem ajudando são momentos marcantes nas lembranças de A.A.O. Houve momentos de alegrias, de agradecimento a Deus pela oportunidade de abraçar a profissão que queria desde pequena. Ela estava ciente de que era a sua missão e que fizera a escolha por amor. Sua querida mãe a incentivou e a apoiou. Sem esse incentivo, A.A.O., não teria realizado seu sonho. No início da caminhada, ela recebeu apoio e auxílio de professoras que lhe deram aula e um tempo depois, uma delas se tornou a sua diretora, contribuindo com o seu trabalho como o espelho de comprometimento e dedicação. Momentos de descontração, quando ela e outras colegas retornavam da escola no final do período a fazem sorrir. Uma aguardava pela outra em determinado ponto para esperarem, juntas, uma carona para chegarem em casa. Nos dias de muita chuva o rio transbordava. Esses momentos foram de medo, mas ao mesmo tempo divertidos. A amizade e o companheirismo que algumas tiveram, carregaram até hoje, tornando-se boas companheiras.

 


Todas nós, recém-saídas do curso de magistério, com muita teoria e vontade de colocar em prática os conhecimentos adquiridos. Dificuldades à parte conseguimos desempenhar o nosso papel na educação de muitas crianças. Independente do reconhecimento não recebido por parte dos governantes, durante os muitos anos de dedicação e comprometimento, saber que fomos primordiais na vida de muitas crianças é o que importa.

 

PS: Assim como as amigas que tiveram que atravessar o mar para chegar à escola, muitas professoras passaram e provavelmente ainda passam por essa aventura. Podemos dizer que o professor, além de mediador, educador, é um aventureiro. Bom, pelo menos, aquele que é corajoso.




O professor (Tânia Maya)                                                                        

Quem com pó de giz
Um lápis e apagador
Deu o verbo a Vinícius
Machado de Assis, Drummond?

Quem ensinou piano ao Tom?
Quem pôs um lápis de cor
Nos dedos de Portinari
Picasso e Van Gogh?
Quem foi que deu asas a Santos Dumont?

Crianças têm tantos dons
Só que, às vezes, não sabem
Quantos só se descobrem
Porque o mestre enxergou
E incentivou

É, só se faz um país com professor
Um romance, um croqui, com professor
Um poema de amor, dim dim
Um país pra ensinar seus jovens
É, só se faz um país com professor
Um romance, um croqui, com professor
Um poema de amor, dim dim

 

 

Um jovem encontra um senhor de idade e lhe pergunta:

- Lembra-se de mim?

E o velho diz: NÃO.

Então o jovem explica que foi aluno dele.

E o professor pergunta:

- O que tens feito? O que fazes para viver?

O jovem responde:

- Bem, eu tornei-me professor.

- Ah, que bom, como eu?

- Pois sim.

Na verdade, eu tornei-me professor porque me inspirou a ser como o senhor.

O velho, curioso, pergunta ao jovem que momento o inspirou a ser professor.

E o jovem conta a seguinte história:

- Um dia, um amigo meu, também estudante, chegou com um relógio novo e bonito, e eu decidi que o queria para mim e o roubei, tirei do bolso dele.

Logo depois, o meu amigo notou o roubo e imediatamente reclamou ao nosso professor, que era o senhor.

Então, você parou a aula e disse:

- O relógio do seu colega foi roubado durante a aula hoje.

Quem o roubou, devolva-o.

Eu não devolvi porque não queria fazê-lo.

Então você fechou a porta e disse para todos nos levantarmos e que iria vasculhar os nossos bolsos até encontrarmos o relógio.

Mas disse-nos para fechar os olhos, porque só procuraria se todos tivéssemos os olhos fechados.

Então assim fizemos, e o professor foi de bolso em bolso. Quando chegou ao meu, encontrou o relógio e pegou nele.

Então continuou a procurar os bolsos de todos e, no final, disse:

- "Abram os olhos. Já temos o relógio."

O senhor não me disse nada e nunca mencionou o episódio.

Nunca disse quem foi que roubou o relógio.

Naquele dia, você salvou a minha dignidade para sempre.

Foi o dia mais vergonhoso da minha vida.

Mas também foi o dia em que a minha dignidade foi salva, de não me tornar ladrão, má pessoa, etc. O professor nunca me disse nada e, mesmo que não me tenha repreendido ou chamado à atenção para me dar uma lição de moral, recebi a mensagem claramente.

E, graças ao senhor, entendi que é isso que um verdadeiro educador deve fazer.

Lembra-se desse episódio, professor?

E o homem responde:

- "Lembro-me da situação, do relógio roubado, que procurava em todos, mas não lembro de você, porque também fechei os olhos enquanto procurava."

 

Inspirador e a essência da Educação: para educar e corrigir, não é preciso humilhar.

 Autor desconhecido

 #educarpelapositiva #disciplinapositiva #disciplinapositivaportugal


A todos os professores que assumiram a linda missão de ensinar e aprender, um feliz dia! 

Obrigada pela visita,

Cidália.