segunda-feira, 19 de abril de 2021

Em nome do amor

 

Ao terminar mais uma leitura de suspense ela reflete sobre a trama. Sem dar spoiler, ela não comenta o título do livro e nem o nome do autor.

Ela apenas reflete sobre o amor, sobre as coisas feitas em nome do amor.

A história é fictícia, porém na tevê, diariamente aparecem notícias horripilantes de casais que praticam atrocidades e culpam o amor.

O excesso ou a falta do amor?

São muitos sentimentos que envolvem a vida de um casal e ela não é nenhuma especialista entendida no assunto.

"O conceito do amor é um dos mais amplos que existem. Mesmo dentro da psicologia, nós podemos contextualizá-lo de várias formas. O amor pode ser expresso para várias pessoas e atividades importantes da nossa vida", diz a psicóloga Eglacy Sophia, supervisora do setor de Amor e Ciúme Patológicos do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.... - Veja mais em https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/12/21/o-que-e-amor-e-amar-de-verdade-entenda-o-sentimento.htm?cmpid=copiaecola

 

O que a levou a pensar sobre os acontecimentos ocorridos na leitura foi o fato de ver que uma pessoa pode cometer um crime e se autodestruir por conta de uma paixão.

Que tipo de amor é esse?

Amor possessivo?

Ela lembra dos romances água com açúcar que lia na adolescência. Eles falavam do amor como se vê nos contos de fadas. O amor inspirador.

A realidade é diferente quando o amor retratado em diversos livros e filmes é um amor doentio. A pessoa sente-se desprezada, abandonada.

- Não me machuque.

- Machucá-la? Eu te amo. Por que você não entende? Ele a agarrou com força pelos ombros e a imobilizou contra a parede.

Havia uma expressão no rosto dele que ela não conseguiu definir. Uma combinação de choque e resignação.

“Quando o vínculo é patológico, a pessoa se sente estagnada, não caminha, porque ela coloca toda a vida no relacionamento, na queixa, na insatisfação, na idealização, tirando a energia no sentido do progresso individual", reitera Sophia.... - Veja mais em https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/12/21/o-que-e-amor-e-amar-de-verdade-entenda-o-sentimento.htm?cmpid=copiaecola

Ela pensa no ditado popular que ouviu ao longo do tempo.

“Quem vê cara, não vê coração.”

É a mais pura verdade. Não se pode confiar totalmente em alguém.

Não dá para colocar a mão no fogo por ninguém.

Lamentavelmente, é preciso arriscar, assim como nas páginas dos livros e no cotidiano.

A ficção se mistura com a realidade.

Ou vice-versa.

 Grata pela visita,

Cidália.

terça-feira, 13 de abril de 2021

Memórias de um ancião




                                                 

Aos 90 anos de idade Seu Jorge, conhecido por todos pelo apelido de "Dinho”, é um senhor de cabelos brancos, muito vaidoso (na hora da foto coloca seu chapeuzinho e faz positivo com o polegar).

Até pouco tempo, dois anos mais ou menos, ele dirigia. Sempre gostou de ser independente. Um homem trabalhador que desde muito jovem arregaçou as mangas e foi à luta. Foi criado, segundo ele, pelo padrinho. Sua mãe não tinha apego aos filhos.  

Talvez, a questão nem fosse o apego, quem sabe ela se "desfazia" dos filhos devido a falta de comida em casa. Provavelmente ela pensava no bem deles e sabia que fora dali eles teriam mais chance de viver melhor. Para uma mãe era difícil ver o filho passando fome e não poder fazer nada. 

A vida na zona rural nos anos 30 era dificílima para quem não tinha um bom pedaço de terra para plantar.

Por causa de uma briga inocente com um dos seus irmãos, Jorge, vulgo Dinho, foi expulso de casa aos seis anos de idade. Quem o acolheu foi seu padrinho, um homem remediado. Na sua casa não faltava o que comer.

Três dias após o ocorrido, Dinho encontrou seu pai, por acaso, e o evitou.

- Fiio - ele o chamou- Sei que ocê tá mió na casa do cumpade.

Cabisbaixo, Dinho seguiu seu rumo sem responder ao pai.

Dali em diante, Dinho trabalhou na roça fazendo o que estava ao seu alcance, ele via seus irmãos de vez em quando.

O tempo passou e ele se "engraçou" pela jovem Maria. Casaram-se e foram morar na casa de seu irmão mais velho que era casado e tinha uma filha pequena. Esse irmão também havia sido expulso de casa pela mãe e fora criado pela avó.

Se a vida era difícil para uma pessoa, imagina para duas ou mais pessoas. A comida era escassa, precisava ser controlada. Naquela época não existia desperdício.

O jovem Dinho era um rapaz determinado. Aprendeu a ler com seu irmão mais velho que por sua vez, aprendera sozinho, tal era a vontade de ler e fazer contas.

Na escola da vida, Dinho aprendeu muito. Saiu para trabalhar em outro município, porém depois de algum tempo voltou com a família para a zona rural. Os filhos começaram a chegar e ele sentiu a necessidade de ter a sua casa.

Esse retorno para a sua terra foi muito bom. Dinho se deu bem nas plantações, principalmente na plantação de cana de açúcar.

A partir dali, Dinho começou a "juntar" as moedas e mesmo com todas as dificuldades para criar os filhos conseguiu, aos poucos, aumentar seu patrimônio, tornou-se um homem próspero. Foi um bom negociante.

Hoje, recordando o passado, a mágoa que ele sente é não ter aproveitado mais a vida com a esposa. Ela faleceu sem conhecer o mar. Não que ele não a convidasse para sair, o fato era que ela era uma mulher caseira.

Maria não gostava de usar sapatos, o calçado que usava era o chinelo, por isso tinha vergonha de sair. Para Maria, cuidar do marido, dos filhos e da casa era o suficiente. Ela era uma pessoa muito tímida e retraída.

Ao ficar viúvo, Dinho se tornou alvo de conquista. Afinal, aos olhos das mulheres viúvas ele era um bom partido. Ele chegou a se envolver com uma senhora, alguns anos depois de uma vida solitária. A tal senhora, distinta, morava na cidade e não se acostumou na zona rural. Dinho, por sua vez, também não conseguiu viver na cidade. Os dois, infelizmente, não encontraram um denominador comum.

Uma outra senhora que se interessou por ele não deu certo porque ela gostava de dançar e ele não. Essa mulher encontrou um outro viúvo que gostava das mesmas coisas que ela e se casaram. Os dois curtem a vida juntos.

Com o passar do tempo, Dinho arrumou uma companheira que foi morar com ele. Uma senhora muito pacata e tímida. Ele pensou que tinha, enfim, encontrado alguém para viver com ele até o final da vida. Tudo parecia bem até que se separaram. 

Relembrar o passado é tudo o que resta ao Dinho. Não que ele não tenha outros assuntos. Ele está com a memória muito boa e está por dentro das notícias da atualidade. Até dá alguns conselhos aos jovens. Falar do passado para ele é manter viva a lembrança daqueles que se foram.

Na sua vizinhança há somente um outro senhor que tem a sua idade. De vez em quando eles conversam.

Nos outros dias Dinho passa muito tempo deitado, esperando que apareça alguém para ouvir os seus "causos".

Muitos idosos passam o dia à espera de alguém para exercitarem a memória, principalmente, aqueles que não têm um passatempo ou que têm dificuldade para se locomoverem.

No caso do Seu Dinho, ele ainda mora sozinho porque gosta de ter autonomia, de manter a sua independência. Ele mora bem próximo dos filhos e uma das filhas que mora em frente tem a chave da casa e está sempre de "olho" nele. Todos os filhos são muito cuidadosos e têm um grande respeito pelo pai.

Quanto à mãe, Dinho não guardou ressentimento pelo que aconteceu na sua infância. Foi na casa dele que ela viveu seus últimos anos, sob seus cuidados e da sua esposa Maria.


Seu Jorge, aquele que tem seus motivos para preferir ser chamado por Dinho, disse que sua história é digna de um livro. Pode ser que em breve este conto se transforme num livro, quem sabe? Seu Dinho tem muitas histórias para contar.

Sua visita é bem-vinda, obrigada!

 

Cidália.


segunda-feira, 5 de abril de 2021

O batom



Seu fiel companheiro, eu a acompanhava em todas as ocasiões.

Em nenhuma hipótese saía da sua bolsa.

Quando ela sentia que precisa de um retoque eu estava lá para colorir seus lábios.

A acompanhei durante seus estudos, seu trabalho, suas viagens.

No banheiro tinham outros de outras cores. Cores discretas.

Teve uma época em que o vermelho foi seu xodó, porém depois passou a preferir os tons menos chamativos.

Desde a sua adolescência fui seu item preferido da maquiagem.

Sinto falta dos seus lábios.

Faz mais de um ano em que ela raramente sai de casa e quando sai a boca está encoberta. Deixei de ser o item mais importante no seu dia a dia. Me tornei desnecessário. Fiquei esquecido num canto da bolsa. No banheiro perdi meu lugar de destaque. Perdi a validade e não fui mais substituído. A máscara passou a ser o seu acessório mais importante.

Sinto-me abandonado, esquecido, solitário.

Quero voltar a colorir e dar brilho aos seus lábios.

Quero seguir ao seu lado para realçar seus lábios envoltos pelas linhas de expressão.

Porém, enquanto ela prioriza a máscara que lhe dá proteção terei que continuar bem quietinho no fundo da bolsa ou no banheiro.

Sei que quando tudo isso passar ela vai se lembrar de mim, vai me querer de volta.

Voltarei a ser seu grande companheiro. A seguirei por onde for.

Academia, mercado, passeios ou uma simples caminhada.

Não me sentirei mais solitário, abandonado, esquecido.

Obrigada pela visita,

Cidália.