terça-feira, 27 de março de 2018

Arrependimento VI


Dia e noite eu pensava nos meus pais e nos meus irmãos. Como eles estavam? Teriam superado a vergonha, a decepção? A saudade habitava meu coração e aumentava a cada dor infringida ao meu corpo. 

Ah, se eu pudesse voltar no tempo para poder sentir o abraço carinhoso da mamãe e o aconchego do meu lar!

O dia chegou ao fim e tivemos que voltar para a penitenciária. Cada um de nós foi para a sua cela.  Trocamos um adeus sem palavras, somente com uma troca de olhares. Iríamos aguardar o julgamento.

No dia em que usando um capuz sobre a cabeça assaltamos e matamos um pai de família acabamos, também, com a nossa vida.



A minha rotina na prisão era igual a de todos os prisioneiros. Os dias eram sempre iguais. A minha história tornou-se comum como todas as histórias dos residentes daquele lugar.

Como uma planta que vai morrendo com o passar do tempo, seja por excesso ou falta do sol, eu sentia a vida dentro de mim se esvair.  Enquanto os jovens da minha idade tinham a vida pela frente, para curtir cada momento com a família e os verdadeiros amigos, a minha juventude seria desperdiçada dentro daquelas paredes.

Procurei ficar na minha para não agravar a minha situação. Cumpria minhas tarefas de cabeça baixa. Enquanto aguardava o julgamento imaginava o que aconteceria comigo. Sentia uma certa inquietação com o futuro incerto.

Quando encontrava meus “amigos” no refeitório ou no pátio onde íamos tomar sol, eu os ignorava. Eles não se importavam comigo, me deixavam à mercê do meu próprio isolamento.

Muitas vezes a droga me foi oferecida e eu a recusei. A abstinência me fazia ter alucinações, mas mesmo assim eu a suportava. Essa era a punição que eu merecia.

Uma vez que a droga me colocou naquela situação eu passei a repeli-la. Ela me fez refém de mim mesmo e agora eu a rejeitava. Teria que ser forte para ficar longe do vício, pois ali a droga era passada de mão em mão, tanto nas celas, quanto no pátio. Bastava ter dinheiro.

Durante o tempo em que eu aguardava o julgamento não recebi a visita dos meus pais e nem dos meus irmãos. Ao me colocar no lugar dos meus pais, eu os entendia. Visitar o filho na cadeia era muito difícil. 

O único contato que eu tinha com o lado de fora era com o advogado. Numa de suas visitas ele me entregou uma carta escrita pela Isabel, minha irmã.



“Diogo, estou escrevendo a você para dar notícias da mamãe e do papai. Eles não têm coragem de vê-lo na prisão. O papai está usando as economias para pagar o advogado. A mamãe chora muito, não consegue falar seu nome sem derramar rios de lágrimas. Ela tem certeza de que você é inocente, que seu erro foi estar junto com aqueles delinquentes. Quanto a mim ainda não fui visitá-lo, porque não tenho tempo, além de cuidar das crianças, ainda tenho que cuidar do papai e da mamãe. Eles perderam completamente o chão. Nosso irmão só poderá vir nas férias, então não podemos contar com ele. Logo que você foi preso, algumas pessoas ficaram curiosas e fizeram muitas perguntas a mim. Não tiveram coragem de perguntar à mamãe. Se bem que ela parou de sair de casa. Quando ela e o papai precisam sair sou eu que os levo. Não sei se iremos assistir o julgamento. Se não estivermos lá, espero que nos perdoe. Estaremos torcendo para que a pena não seja longa. Um grande e carinhoso abraço do papai, da mamãe e dos seus sobrinhos. Beijos, Isabel. ”



Ao ler aquela carta, depois que o advogado foi embora, agarrei-me a ela e chorei.  O que mais eu podia fazer a não ser chorar sobre o leite derramado? Um dos companheiros de cela, olhou para mim e começou a rir.

- Pobrezinha da mocinha, por que está chorando? Não recebeu a visita da mamãezinha?

Como não respondi à provocação o cara desistiu de me perturbar.

Antes que os outros presidiários voltassem para a cela, guardei a carta e deitei. Fechei os olhos fingindo que estava dormindo. Cobri os olhos com os braços.

Eu não conseguia parar de pensar nos meus pais. No que eu fiz com eles. Desgraçara a minha vida e fizera da vida deles um pesadelo.

O que eu poderia fazer para amenizar o caos em que se transformara a vida dos meus familiares? Nada, a não ser tentar mudar o meu comportamento dali em diante.

Chegou, enfim, o dia do julgamento. A minha ansiedade era gigantesca. Encontrar a minha família me deixava nervoso. Eu não queria que eles me vissem chegar algemado. Torcia para que eles não comparecessem.

Lembrei da carta; a Isabel dissera que talvez não fossem ao julgamento e respirei aliviado. Seria melhor para mim e para eles. Não queria que eles passassem por mais um constrangimento.

Eu seria o primeiro a ser julgado. Entrei algemado e de cabeça baixa. O tribunal estava lotado. Olhei de soslaio. Não identifiquei nenhum conhecido na plateia.

Lembro de ter sentido todos os olhares sobre mim quando entrei na sala. Pensei nos jurados. Como foram escolhidos? Eles me conheciam? Conheciam a minha família? Eles queriam estar ali fazendo parte daquele "cenário"?

Respondi as perguntas que me foram feitas. Ouvi as testemunhas, o advogado de defesa, o promotor. Jamais imaginei estar ali com todas as atenções voltadas para mim. Como eu havia confessado o crime, meu advogado estava tentando reduzir a minha pena.

Não entendi porque eu e meus “amigos” não fomos julgados juntos. Segundo meu advogado eles tinham mais passagens pela polícia do que eu. Minha família estava pagando um advogado e eles contavam com advogados do estado.

Os jurados ouviam atentamente todas as acusações. De vez em quando eu sentia a piedade no olhar de um deles. Mas, por que piedade, quando eu merecia um olhar cravado de ódio? Eles estavam ali para ouvir a versão sobre o crime e fazer a justiça.

Teria na plateia algum parente da vítima? Nem quis pensar nessa possibilidade. Se tivesse alguém, certamente estaria querendo me ver pelas costas. Ou seja, estaria torcendo para que eu pegasse a pena máxima.

No final do dia, a sentença foi pronunciada. Tive que ficar em pé para ouvi-la. Obedeci prontamente. Era tudo que me restava. O filhinho da mamãe agora era um homem condenado. A penitenciária seria minha residência por 25 anos. Se eu me comportasse sairia antes.

Saí dali sabendo que seria transferido para outra cidade. O advogado ficou de levar a minha irmã para se despedir, um dia antes. Ele prometeu conseguir alguns minutos para que pudéssemos ficar juntos. Não seria um até breve e sim um até um dia!


A Isabel foi me dizer adeus e levou fotos do papai, da mamãe, do Zequinha e dos meus sobrinhos com o meu cunhado e ela. Quando eu sentisse saudade poderia olhar aquelas fotografias. Junto com as fotos havia uma bíblia que minha mãe mandara.

- Diogo, hoje tive que pedir para uma vizinha cuidar das crianças e dos nossos pais para eu vir aqui. A mamãe disse que vai arrumar outro advogado, queria que eu te dissesse isso. Ela não se conforma com a sua pena.

- Não deixe que ela faça isso Isabel, você sabe que não vai adiantar nada recorrer à sentença. O advogado fez o que estava ao seu alcance.

- Escreverei sempre para te manter informado sobre nossos pais. Trouxe algum dinheiro. Você vai precisar para enviar cartas para nós.

E assim, nos despedimos, com um abraço caloroso. Naquele abraço voltei a ser um menino, o filhinho da mamãe, estudioso e obediente. No perfume da minha irmã, senti o cheiro da minha mãe. Acho que elas usavam o mesmo perfume. 

Se eu pudesse me agarraria àquele abraço para sempre. Se eu pudesse voltar atrás escolheria a liberdade. Se...Se...Se.... 

Tudo o que eu tinha naquele momento era aquele abraço. O abraço que representava o amor da minha família. O amor que eu não valorizei quando deveria. O amor que deixei em segundo plano quando optei pelo caminho tortuoso.

Para alguma coisa a vida que escolhi viver estava servindo. Eu passava todo o tempo pensando, refletindo sobre as minhas ações. Por que não pensei nas consequências dos meus atos antes? Por que deixei me enredar na criminalidade?

Outros jovens como eu residiam ali. Eu olhava-os, disfarçadamente, enquanto tomávamos sol no pátio ou estávamos no refeitório. Ficava imaginando qual era o crime de cada um. Estariam ali pelo mesmo motivo que eu? Teriam sido dominados pelas drogas?

O arrependimento chegou um pouco tarde para mim. Nada do que eu fizesse devolveria a paz e a tranquilidade que um dia eu tive. Viver entre os criminosos era o que me restara. O jeito era seguir adiante!


Continua...


Obrigada pela visita, sua opinião é muito importante para mim!


Abraços,

Cidália.














terça-feira, 20 de março de 2018

Arrependimento V



Chegando na delegacia encontrei meus “amigos”. A testemunha que havia anotado a placa do carro contou que viu uns cinco rapazes entrando num automóvel. Quando ele viu o homem ensanguentado e sem vida no chão, chamou a polícia. Foi fácil chegarem até mim. Um dos meus companheiros me entregou. 

Naquele momento percebi que eu não tinha mais saída. Mesmo que continuasse com a boca fechada, o fato de estar fugindo agravava a situação.

Os olhares se voltaram na minha direção. Dedos me apontavam. Me tornei o centro das atenções. Eu, que sabia esconder tão bem meus atos. Eu, que mentia com naturalidade. Eu, que omitia a verdade quando era conveniente. 

Abaixei a cabeça e segui os policiais. Como seria dali em diante para mim? Nuvens escuras pairavam sobre meu futuro. Meus dias seriam nublados. Algum dia o sol seria contemplado novamente por mim?

Mais uma vez lá estávamos eu e meus “amigos” numa delegacia. Só que dessa vez não era só por causa de um roubo e sim por um assalto seguido de assassinato. A queixa não poderia ser retirada. Minha família já tinha sido notificada. 

Quem apareceu foi a minha irmã. Não consegui encará-la.

- O Zequinha ligou para um advogado amigo dele, logo ele estará aqui.

A voz ficou enroscada na minha garganta. Na verdade, nem sabia o que falar para a Isabel.

Com o canto dos olhos vi que meus “amigos” estavam sozinhos. Esperavam por alguém da família.

Eu pouco sabia sobre a família de cada um. Quando estávamos juntos os assuntos eram outros. Sei que dos quatro, apenas um tinha pai, o dono do Fusca que estava conosco durante o crime.

Pensei em cada membro das nossas famílias. De repente comecei a me preocupar com cada um deles. Meu pai que já não era mais o mesmo homem depois do infarto. Minha mãe que sempre me defendia, meus irmãos que um dia sentiram orgulho de mim e meus sobrinhos que teriam um tio assassino. Como seria dali em diante para eles?

Por que essas preocupações não apareceram antes que eu cometesse aquele ato insano?

Agi por minha conta e risco. Teria que arcar com as consequências, assim como meus “amigos”. 

Todos éramos maiores de idade. Teríamos que responder pelas nossas ações. Nossas famílias teriam que suportar o vexame, encarar a realidade. 

- Diogo, não sei se o papai vai suportar esse sofrimento. A mamãe é mais forte do que ele, apesar de andar deprimida desde a época do roubo do restaurante do titio. - Parece que a Isabel leu meus pensamentos.

 Enquanto eu ouvia minha irmã, as lágrimas brotaram nos meus olhos. Tentei disfarçá-las.

- Posso sentir que você está arrependido do que fez, meu irmão, vou fazer o que puder para ajudá-lo.

 Estava admirado com a atitude da Isabel. Mesmo eu tendo feito o que fiz, ela não me virou as costas.

 Nem ela e nem o meu irmão. Ambos estavam me ajudando naquele momento, quando poderiam ter me abandonado à própria sorte.

- Sabe, Diogo, talvez eu e o Zequinha tenhamos uma parcela de culpa nisso tudo. Deixamos que a mamãe passasse a mão na sua cabeça todas as vezes que você aprontou.

Naquele momento eu nem sabia o que dizer a ela. A vergonha de repente se apossou de mim. Ali, diante da minha irmã mais velha eu me sentia um moleque sem juízo. Merecia aquele sermão.

Esperava que meu irmão não aparecesse. Como iria olhar nos seus olhos?

O advogado chegou sozinho, ainda bem, e foi cuidar do caso. A partir daquele momento eu e meus “amigos” seríamos transferidos para uma penitenciária no município vizinho.

Isabel se despediu de mim com um longo abraço. Não havia palavras para serem trocadas. Nem um até breve. Ela segurou o choro e eu também. Nenhuma lágrima me livraria da culpa.

Tempos depois fiquei sabendo, pelo advogado, que a família do homem assassinado por mim e pelos meus “amigos” clamava por justiça. Era um direito da família. 

Aquele pobre homem teve um grande azar ao atravessar o nosso caminho naquela noite fatídica. Tudo poderia ser diferente se ele não tivesse cruzado conosco. 

Alguns dos meus vizinhos mais próximos foram chamados para falarem o que sabiam sobre mim. 

Até a Edileusa, minha ex namorada teve que comparecer à audiência. O olhar que ela me deu cravou uma espada no meu coração. Era um olhar de pena. Ela respondeu todas as perguntas como se falasse de um estranho. 

Ao sair da sala ela não me olhou mais. Eu fazia parte do seu passado, uma fase que ela já tinha esquecido. Eu era uma página virada. Ainda bem que sua vida não estava mais entrelaçada à minha.

Aquele foi o primeiro pior dia de muitos que viriam pela frente. Um dia de muita tristeza, quando cada uma das pessoas teve que me apontar entre os “amigos”, estávamos algemados um ao outro. Juro que vi lágrimas brotadas em alguns olhos. Olhos de pessoas que me conheciam desde pequeno. Pessoas que não imaginavam que eu estava metido naquela "vida".

A falta da droga estava afetando a minha mente. Eu estava muito emotivo. O que eu estava passando na prisão me fazia sentir, cada vez mais, um ser desprezível.

Com quem eu podia reclamar? Afinal, estava pagando pelo erro que cometi. De filho amado e mimado eu passara a um vil assassino, odiado e maltratado. Percebi em cada olhar dirigido a mim e aos companheiros um misto de pena, desprezo e decepção.

Eu não podia me comunicar com aquelas pessoas. Gostaria de poder falar a elas que eu estava pagando pelo meu crime. Que deixei para trás uma vida confortável, uma família que me amava, para viver no inferno. 

Eu não tinha motivo para ser um adolescente revoltado. Tarde demais, percebi que os cuidados que a minha mãe tinha comigo eram os mesmos que todas as mães têm com seus filhos.

Se eu tivesse compreendido que meu pai me amava à sua maneira, quem sabe não teria cometido tantas tolices.

As lembranças da minha casa, do meu quarto, da comida feita com amor pela mamãe, do almoço em família aos domingos e até mesmo dos cuidados excessivos da minha mãe, corroíam a minha alma. 

Dia e noite eu pensava nos meus pais e nos meus irmãos. Como eles estavam? Teriam superado a vergonha, a decepção? A saudade habitava meu coração e aumentava a cada dor infringida ao meu corpo. 

Ah, se eu pudesse voltar no tempo para poder sentir o abraço carinhoso da mamãe e o aconchego do meu lar!

O dia chegou ao fim e tivemos que voltar para a penitenciária. Cada um de nós foi para a sua cela.  Trocamos um adeus sem palavras, somente com uma troca de olhares. Iríamos aguardar o julgamento.

No dia em que usando um capuz sobre a cabeça assaltamos e matamos um pai de família acabamos, também, com a nossa vida.

Continua....


Sua visita me deixa muito feliz, obrigada!

Abraços,

Cidália.





domingo, 11 de março de 2018

Arrependimento IV


Eu saía todas as noites para encontrar os “amigos”. Esperava meus pais dormirem e saía de fininho.

Numa dessas noites resolvemos ir de carro para outra cidade. O carro era um Fusca velho, que um dos “amigos” pegou sem ordem do pai.

Usando capuz para cobrir o rosto cometemos o maior erro da nossa vida. Um erro sem volta, sem perdão. Um erro que marcaria a minha juventude e decepcionaria àqueles que me amavam. 

Tudo por causa da falta de dinheiro para comprarmos a droga. A dependência química nos levou ao desespero.

Era para ser apenas um assalto, a arma era de brinquedo, mas como o homem reagiu, nós o matamos. Com chutes e pauladas. Um de nós carregava um cacete. Não lembro de onde surgiu aquele pedaço de pau. Ele simplesmente estava lá na mão de um dos meus companheiros.

Queríamos dinheiro e não a vida do pobre coitado. Por que ele não facilitou para nós? Teria salvado a própria vida. Bastava nos entregar seus pertences. Ele seguiria seu caminho e nós o nosso. Sem violência. 

Ele era um contra cinco e nós estávamos desesperados. A dependência nos fez devedores. A dívida precisava ser paga para conseguirmos mais drogas. Nunca havia droga suficiente para nós. 

Deixamos aquele senhor caído no chão e fugimos. Sequer pensamos em olhar para trás depois do ato cometido. Pegamos a carteira, o celular e fugimos o mais rápido possível. 

Naquele momento não pensamos em mais nada. Tudo o que queríamos era voltar para casa. Nos tornamos assassinos. Já não éramos, apenas, ladrões.

 Depois do ocorrido voltamos para nossa cidade e cada um foi para sua casa. Fui para meu quarto e dormi de porta trancada. Eu estava atordoado, ainda sob efeito da droga que tinha usado antes de sair. 

Quando acordei com a cabeça girando e a boca seca, ouvi minha mãe ao telefone.

- O Diogo está dormindo, Isabel, o que você quer com ele?

Minha mãe começou a chorar e eu continuei em silêncio no meu quarto. Não queria que ela sofresse, mas era impossível evitar tal sofrimento. O mal estava feito.

Pouco tempo depois minha irmã apareceu e bateu na porta. Ela deve ter criado asas para chegar tão rápido.

- Diogo, o que você andou aprontando? Acabei de saber de um crime que aconteceu na cidade vizinha. Parece que alguém viu a placa do carro, é do pai de um daqueles seus "amigos".

- Minha filha, o que você está dizendo? - Mamãe não queria admitir a verdade, apesar do choro incessante. - Seu irmão não fez nada.

- Mãe, a senhora tem certeza de que ele não saiu ontem a noite?

- Eu e seu pai fomos dormir cedo. Não ouvimos barulho nenhum.

- Se ele não fez nada porque não me responde. Que sono pesado é esse?

- Deixe seu irmão em paz, Isabel. Não quero que seu pai escute essa barbaridade.

- Onde está o papai?

- Seu pai está cochilando lá na área dos fundos, na rede.

- Ai, ai, mamãe, estou com medo que esse rapaz possa ter aprontado desta vez. Vocês têm o sono pesado, ele pode ter saído quando viu que estavam dormindo.
- Vá para sua casa, filha, assim que seu irmão acordar eu peço para ele te ligar.

- Mãe, escute, se ele estava com aqueles carinhas e cometeram o crime, a polícia vai descobrir.

- Seu irmão não fez o que você está dizendo. Ele é um bom rapaz.

- Se a senhora pensa que ele não fez nada, então por que está chorando desde a hora que cheguei?

- Porque você está acusando injustamente seu irmão.

- Não, mãe, é porque no fundo a senhora está com medo de descobrir a verdade. Isso se chama pressentimento.

Ouvi passos se afastando. De repente se fez silêncio. Abri a porta do quarto e vi minha mãe debruçada sobre a mesa da cozinha. Ela ainda soluçava.

Olhei para fora e vi meu pai dormindo na área. Depois que ele infartara dormia muito após o almoço. Talvez fosse efeito dos medicamentos.

Abracei a minha mãe e pedi perdão. Era tudo o que podia fazer naquele momento.

- Mamãe, preciso desaparecer por um tempo.

- Se você fez alguma coisa errada foi influenciado pelos outros. Procure seus irmãos e peça ajuda, meu filho.

Minha mãe não queria se conformar, para ela eu era seu filhinho, incapaz de fazer qualquer maldade à alguém. Ela acreditava que eu era uma pessoa influenciável. Talvez eu tenha sido fraco ao me deixar envolver com a droga, só que não adiantava chorar sobre o leite derramado. 

- Só preciso de algum dinheiro. 

Mamãe foi até seu quarto e pegou todo o dinheiro que tinha e me deu. Coloquei umas roupas numa mochila e dei um abraço nela. O abraço que recebi foi caloroso, acompanhado de um beijo molhado pelas lágrimas. Mais uma vez pedi que ela me perdoasse. Era tarde para eu me arrepender. O que eu tinha feito não tinha volta. Não era como uma palavra errada, na folha de um caderno, que podia ser apagada. 

Saí antes que meu pai acordasse. Como eu poderia olhar nos seus olhos e me desculpar pela dor que estava causando à minha família?

Ao chegar à rodoviária, a polícia apareceu em seguida. Não tive tempo de comprar uma passagem de ônibus. Eu estava fugindo. Tinha acabado de assinar a minha culpa. 

Chegando na delegacia encontrei meus “amigos”. A testemunha que havia anotado a placa do carro contou que viu uns cinco rapazes entrando num automóvel. Quando ele viu o homem ensanguentado e sem vida no chão, chamou a polícia. Foi fácil chegarem até mim. Um dos meus companheiros me entregou. 

Naquele momento percebi que eu não tinha mais saída. Mesmo que continuasse com a boca fechada, o fato de estar fugindo agravava a situação.

Os olhares se voltaram na minha direção. Dedos me apontavam. Me tornei o centro das atenções. Eu, que sabia esconder tão bem meus atos. Eu, que mentia com naturalidade. Eu, que omitia a verdade quando era conveniente. 

Abaixei a cabeça e segui os policiais. Como seria dali em diante? 

PS: Ilustração feita pelo meu sobrinho Marcos Wagner (ele está sempre disposto para me atender).

Continua...

Sua visita me deixa feliz e agradecida!

Uma abençoada semana,

Cidália.


domingo, 4 de março de 2018

Arrependimento lll



Muitos pequenos furtos foram cometidos por mim e pelos meus “amigos”. Como a dependência pelas drogas foram aumentando já estava ficando complicado esconder o vício da minha família.

Se você quiser conferir os capítulos anteriores, seguem os links.

http://contosdacabana.blogspot.com.br/…/02/arrependimento.h…

http://contosdacabana.blogspot.com.br/…/arrependimento-ll.h…

Assim como estava difícil conseguir um novo emprego depois do que aconteceu no lava rápido.

Zequinha, meu irmão, casou-se e foi embora de casa. Foi construir a sua família numa outra cidade onde as chances de trabalho eram maiores.

Isabel, minha irmã, nos visitava regularmente, ela morava perto de nós.

Meu pai era um homem de poucas palavras. O cansaço era visível quando ele chegava em casa. Porém, uns três meses depois de ver que eu estava desempregado, pediu a ajuda de um dos seus irmãos.

Fui trabalhar com um tio que tinha um pequeno restaurante. Uma nova oportunidade foi oferecida a mim. Meu trabalho era servir as mesas na hora do almoço e ajudar na cozinha até às 18 horas.

Eu saía do trabalho sem vontade de ir estudar e comecei a faltar na escola. Em dias alternados eu me encontrava com os “amigos” para planejarmos e realizarmos as nossas “atividades”.

Meu desempenho escolar começou a cair. Esconder, mentir, omitir, enganar, e roubar, tornaram-se as ações mais vivenciadas por mim.

Me afastei da minha namorada. Ela sofreu muito com a separação. Foi morar com uma tia em outra cidade para tentar me esquecer. Achei melhor assim. Perdemos o contato um do outro.

- Filho, cadê a Edileusa? Ela não apareceu mais aqui em casa.

- Ela foi estudar fora, mãe. Deixou um abraço para a senhora.

- E por que ela não veio se despedir? Eu gosto muito dela.

- Por falta de tempo. A tia veio passar o final de semana e ela aproveitou a carona.

Percebi na minha mãe uma pontinha de preocupação. Ela pensava que enquanto eu tinha uma namorada não tinha tempo para me envolver em más companhias.

As mães são todas iguais. Vivem preocupadas com o filho a vida inteira.

No restaurante comecei a ajudar no caixa e o dinheiro começou a sumir. Meu tio não querendo magoar os meus pais, me afastou do caixa com uma bronca.

- Seu moleque, o que você anda aprontando? Não vou contar nada para seus pais, mas não quero te ver perto do caixa.

Abaixei a cabeça e o obedeci. Aquele emprego me ajudava a manter o vício.

Em casa comecei a evitar a olhar meus pais nos olhos. Ainda bem que meu pai raramente falava comigo. Seu comportamento piorou depois que cheguei à adolescência. Era a minha mãe a mais próxima de mim. Nos almoços de domingo, quando era minha folga no restaurante, eu sempre inventava uma desculpa para não participar.

Ao completar dezoito anos e sem perspectiva para continuar os estudos, após terminar o antigo segundo grau, com notas baixas, continuei no restaurante do meu tio.

Dos meus colegas de classe, o Rodrigo que morava no abrigo, se deu bem. Ele conseguiu ótimas notas e ganhou uma bolsa de estudos para fazer um curso de contabilidade.

Os demais não me interessei em saber o que fariam. Meus “amigos” continuavam se encontrando comigo. Eles viviam às custas dos pais e com os trocados que “conseguíamos”.

Numa noite, desesperados sem dinheiro para comprar a droga, combinamos roubar o restaurante do meu tio.

Dessa vez não tivemos tanta sorte. Deixamos rastros e fomos indiciados. Meus pais passaram mal quando tiveram que comparecer à delegacia. A vergonha que causei a eles foi imensa. Jamais imaginaram passar por tal situação.

Vendo o sofrimento do irmão, meu tio retirou a queixa. Meu pai infartou e por pouco não perdeu a vida.

A tristeza abateu a minha mãe, ela chorava a toa.

- Sei que o Diogo é um bom moço, ele foi induzido por aqueles maus elementos.

Meus irmãos me acusaram pelo que nossos pais estavam passando.

Sem emprego e sem dinheiro comecei a roubar as joias da mamãe para trocar com a droga. Eram joias antigas que ela não usava e não percebia que estavam sumindo.

Meu primo Maurício era citado como bom exemplo, ele havia passado no vestibular e ia para a faculdade.

Minha irmã não me convidou mais para ir à sua casa e quando aparecia para ver nossos pais, não deixava as crianças ficarem sozinhas comigo. Tornei-me mal exemplo para meus sobrinhos.

Ouvi, num desses encontros de família em que meus irmãos chegaram para visitar nossos pais, uma conversa entre os dois.

- A mamãe pediu para eu levar o Diogo para passar um tempo fora daqui, das más influências. - disse o Zequinha.

- E você vai levá-lo? - perguntou a Isabel. - Não quero ele na minha casa. Por causa dele o papai quase morreu e agora está afastado do serviço e a mamãe anda numa tristeza de dar pena.

Eu saía todas as noites para encontrar os “amigos”. Esperava meus pais dormirem e saía de fininho.

Numa dessas noites resolvemos ir de carro para outra cidade. O carro era um Fusca velho, que um dos “amigos” pegou sem ordem do pai.

Usando capuz para cobrir o rosto cometemos o maior erro da nossa vida. Um erro sem volta, sem perdão. Um erro que marcaria a minha juventude e decepcionaria àqueles que me amavam. 

Tudo por causa da falta de dinheiro para comprarmos a droga. A dependência química nos levou ao desespero.

Quando se é jovem os conselhos não são ouvidos. Entram por um ouvido e saem por outro, como dizem os mais experientes. Achamos que sabemos o que é melhor para nós. 

Continua....

PS: Mais um desenho do meu sobrinho Marcos Wagner.

Sua visita me deixa feliz!


Obrigada,

Cidália.