sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Gratidão

 


Outro dia ainda a menina brincava na rua com os colegas.

Uma rua tranquila.

As pessoas conversavam em frente ao portão.

Meninos andavam de bicicleta com as meninas na garupa.

Jovens curtiam os bailinhos, aos domingos, que eram feitos na casa de alguém da turma.

As mães cuidavam do marido, dos filhos e da casa. Algumas costuravam e faziam as roupas para a família e para os vizinhos.

Os pais chegavam cansados do trabalho e muitas vezes não tinham tempo para dar atenção aos filhos.

Alguns pais encontravam tempo para beber uma cachaça com os amigos no bar da esquina.

Na rádio, as músicas mais tocadas eram:

  • Roberto Carlos – Detalhes.
  • Elis Regina – O Bêbado e A Equilibrista.
  • Roberto Carlos – Amigo.
  • Paulinho da Viola – Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida.
  • Luiz Melodia – Juventude Transviada.
  • Roberto Carlos – Outra Vez.
  • Clara Nunes – Ilu Ayê
  • Benito di Paula – Retalhos de Cetim

A menina cresceu lendo fotonovelas e romances.

As paqueras em frente ao portão da escola eram comuns.

No salão paroquial aconteciam bailes nos finais de semana.

A menina gostava de usar shorts curto e blusa frente única.

Alguns professores fizeram o coração da menina bater mais forte. Paixonite normal da idade.

A menina ansiava pelos dezoito anos, pela independência. Queria trabalhar e ter seu próprio dinheiro. Queria poder comprar o que quisesse.

Mas, de repente, como na música infantil, o tempo passou a correr, a correr, a correr e a menina virou mulher, esposa e mãe. Começou a trabalhar e a ter responsabilidades.

O ponteiro do relógio parece que foi acelerado.

A mulher que ontem era uma menina se olha no espelho e vê no rosto as linhas de expressão cada vez mais acentuadas. O corpo já não é mais o mesmo apesar dela não querer admitir. 

Outro dia ela viu um vídeo do cantor Oswaldo Montenegro em que ele perguntava:
- Quando a gente fica velho? 
 
Ela pensa que a medida que os dias vão passando a gente só se dá conta da idade quando olhamos para o espelho e vemos a nossa imagem refletida.

Agora a menina mulher além de esposa e mãe, também é avó.

Uma benção, pois com a neta a menina adormecida desperta no corpo da mulher. Ela busca as brincadeiras do passado para brincar com a neta. Quando estão juntas elas dançam e brincam de escolinha. Ela esquece a artrose.

Outro dia a menina moça esperava ansiosamente completar dezoito anos de vida.

Hoje a menina mulher é grata pelos sessenta e cinco anos que serão completados no dia 26/12.

Nesses sessenta e tantos anos muitas coisas aconteceram, coisas boas e ruins. As ruins serviram para que a sua fé se mantivesse firme.
   
A menina mulher continua gostando de ler romances cheios de clichês, se bem que ultimamente os filmes e séries ganharam a sua preferência.

E o tempo passou a correr, a correr, a correr, e o tempo passou a correr, a correr.

Hoje a rua não é mais tranquila.

Não há mais segurança para as crianças brincarem livremente por aí.

Muitos jovens se tornam pais muito cedo.

Na televisão as notícias ruins são manchetes diariamente.

As redes sociais ganharam espaço.

Há pouca comunicação entre as pessoas.

Livros físicos perderam a vez para os digitais.

Sentimentos como a empatia e o amor estão escassos.
 
Alguns amigos se distanciaram, outros já partiram. Algumas amigas se reúnem sempre que possível para um almoço e um bate papo e continuam a usar a palavra menina entre elas. Outras se encontram esporadicamente, por acaso ou através das redes sociais.


A menina mulher é esperançosa. No novo ano que está por vir o mundo será bem melhor. Ela acredita e você?



Obrigada pela visita,
 
Um abraço,

Cidália.


Cantada

 

                                                 (foto copiada da internet)

 

 Uma simples pergunta foi um bom motivo para fazê-la rir. Ela estava acompanhando o marido num exame de rotina.

- Ele é seu pai? O atendente questionou quando ela lhe disse que estava acompanhando seu marido e que precisou sair por um momento.
Ela sentiu vontade de rir, mas segurou o riso. Naquele dia ensolarado ela estava com o cabelo preso num rabo de cavalo e no rosto apenas o protetor solar e um batom.
Após o exame o marido foi ao hospital em frente, enquanto ela ficou para trás para agendar o retorno dele.
Na porta de saída lá estava o funcionário  e olhando para ela disse:
- Tem muitas meninas que perdem pra você.
- Imagina, obrigada, já tenho mais de 60 anos.
- É sério, você está muito bem.
- Ganhei o dia, obrigada.
Ela então, ao invés de se dirigir à saída, ficou tão envaidecida que retornou ao lugar de onde viera. Ao se dar conta de que estava voltando deu meia volta e falou, com um ligeiro sorriso, para o funcionário:
- Depois do seu elogio fiquei até sem rumo.
- De onde você é? Qual o seu nome? Quando for lá vou te procurar.
Ela saiu sorrindo, imagina levar uma cantada na idade dela. Durante toda a tarde quando ela se lembrava do ocorrido sentia vontade de rir. Foi a segunda no ano. A primeira foi na farmácia do hospital do seu município. O funcionário se recusou a dar a senha prioritária porque pensou que ela não tinha 60 anos. Acompanhou-a na saída e puxou conversa. Contou que estava solteiro e perguntou se ela era casada. O tal ainda se queixou da vida solitária e contou que havia sido casado duas vezes.
 
Talvez o leitor pense que não tem nada com isso, que a vida daquela senhora não lhe interessa.
Na verdade, o propósito deste desabafo é mostrar para as senhoras com mais de sessenta anos que ainda podem despertar o interesse de alguém. 
Mesmo que elas não estejam a fim de arrumar um companheiro, mesmo que o galanteio seja falso, a sua autoestima agradece.
Porém, se elas estiverem à procura de alguém, que encontrem um pretendente que as façam felizes.


Aos leitores o meu desejo de um Feliz Natal e um novo ano repleto de saúde, paz e felicidade!

                              Obrigada pela visita,

                                          Cidália.




quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Testemunho

 


Ele viveu debaixo da ponte com mais alguns companheiros, “amigos” da cachaça.

A bebida era o seu refúgio. Nada para ele tinha significado, se embriagar era tudo o que importava. Ele perdeu o contato com a mãe e seus familiares. O vício da bebida o consumia a cada dia. Enquanto bebia ele não sentia a falta de um lar, de constituir uma família, de fazer amigos verdadeiros. Era na bebida que ele encontrava o abrigo.  

O dia em que ele bateu a cabeça na ponte e ganhou uma enorme cicatriz, sua vida começou a ganhar um novo sentido. Aquele incidente serviu para que ele refletisse sobre a sua vida.

Por que estava se autodestruindo?

Ele percebeu que ainda não era tarde, que sua vida poderia ter um novo sentido. A mudança dependia exclusivamente dele, da sua força de vontade.

Foi então, que ele conheceu um pastor que lhe ofereceu ajuda. A ajuda se estendia aos seus companheiros. O pastor ofereceu pagar o aluguel de uma casa para eles, porém, os outros quando viram que teriam que se afastar da bebida, desistiram.

Ele ficou mais um mês morando debaixo da ponte, com a esperança de convencer os companheiros a aceitarem a ajuda. Como estava determinado a mudar de vida, ao conhecer a palavra, Jesus o libertou do vício. Após um mês, Deus lhe preparou uma moradia e um trabalho. A partir daquele dia as portas foram se abrindo, novas perspectivas, muita fé. Ele quis conhecer os planos que Deus tinha para a sua vida.

Com o passar do tempo seu rol de amizades foi crescendo, ele que fazia qualquer tipo de trabalho, aperfeiçoou-se em pintura, sem deixar de trabalhar como pedreiro. Conseguiu adquirir um imóvel.

Ao trocar a bebida pela Bíblia, coisas boas foram acontecendo na sua vida.

Três vezes por semana ele frequentava a igreja. Numa dessas vezes, enquanto caminhava à igreja ele ouviu a voz de um menino chamando-o de pastor. Esse menino, tão pequeno, tinha uma história de vida muito triste. Seu pai foi embora abandonando a mulher e cinco filhos. A mulher, depressiva, com a situação se viu perdida. Como era preguiçosa se afundou no meio da bagunça ao ponto do menino de nove anos não querer mais morar com ela. O menino começou a frequentar a igreja e manifestou a vontade de morar com o “pastor”. Ele disse ao menino que não podia levá-lo para sua casa, era um homem solteiro. O menino foi se refugiar na casa do tio. Quando o bom homem foi visitar o menino para levar um pacote de leite e outro de chocolate em pó ficou horrorizado com a situação a sua frente. O tio do menino estava drogado. Dias depois ao perguntar ao menino sobre o leite e o chocolate ficou sabendo que o tio havia tomado tudo. Ele pegou o menino e levou-o para a casa da mãe. Lá chegando viu a mulher deitada com uma filha pequena que tinha a cabeça cheia de bichos.  Horrorizado, ele levou a menina ao hospital. Já havia levado o menino quando ele teve dor de dente. No hospital se apresentou como o padrasto, foi a única coisa que lhe ocorreu no momento. Ele, o único filho solteiro da sua mãe, sem filhos, de repente se viu envolvido com aquela família. Tudo o que ele fazia, fazia às claras, não queria que os vizinhos pensassem mal dele. Tudo o que fazia era em nome de Jesus, porque tinha muita pena daquelas crianças. Os filhos maiores acabaram indo morar com o pai em outra cidade. Os pequenos que ali se encontravam dependiam da ajuda dos vizinhos para sobreviverem.

Ele, tomando as rédeas da situação, falou que se a mulher não tomasse jeito, iria perder a guarda dos filhos que iriam morar no abrigo municipal. O conselho tutelar já havia sido notificado. A mulher reclamou que não tinha água. O bom homem vendeu seu compressor, instrumento de trabalho, e pagou as contas atrasadas da mulher. Comprou mantimentos e a ensinou a cozinhar, pois a dita cuja só sabia fazer filhos (sem julgamento).

É difícil imaginar que uma mulher com cinco filhos não sabe sequer cozinhar um arroz. Como àquelas crianças sobreviveram até aquele dia? Provavelmente, o ex-marido fazia a comida e as crianças maiores foram aprendendo a se virar para não morrerem de fome.

O menino se apegou ao bom homem ao ponto de considerá-lo um pai. Aconselhado por uma pessoa ele fez um documento de guarda e assim levou o menino com ele numa viagem. A mãe do bom homem que antes não aceitava o menino ao saber por telefone da sua existência, ao conhecê-lo se apaixonou por ele.

O bom homem sempre acompanhou os estudos do menino e quando o menino chegou à adolescência, o bom homem lhe arrumou um trabalho numa loja.

O menino, com o passar do tempo, se tornou o filho do coração para aquele bom homem. Apesar de ter um pai, o rapaz sempre considerou o homem que lhe estendeu a mão como um verdadeiro pai.

Foi aquele homem, antigo morador de rua, que ao se compadecer do pequeno menino ofereceu a ele a chance de escolher o melhor caminho.

Todos os dias a pessoa tem a oportunidade de fazer uma escolha, basta querer e saber o que é melhor para a sua vida.

Assim como o morador da ponte escolheu viver como um servo de Deus e seguir Jesus, o menino escolheu o bom caminho.

 

 Obrigada pela visita,

Cidália.

 


 


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Chora coração

 

 

                                                           foto tirada da internet

Não se vive remoendo o passado.

Poderia ter sido assim.

Eu não queria isso.

Me impuseram.

Não tive escolha.

Não pude decidir.

É preciso aceitar o presente.

É preciso aceitar as mudanças.

É preciso saber viver.

É preciso aprender a conviver com a realidade.

Mas, mesmo sabendo tudo isso, no silêncio da noite, de joelhos dobrados, ele reza e chora.

Ele reza pedindo a Deus que tenha misericórdia, que faça o melhor na sua vida nos anos que lhe restam.

Ele chora ao pensar que precisa aceitar a realidade.

Ele chora pela vida alegre que poderia ter se tivesse se imposto. Poderia ter continuado a sua rotina, aquela mesmice de sempre que o acalentava.

Ele chora ao sentir-se arrependido de ter saído da sua antiga casa, da sua cidade natal.

Ele se tornou um homem triste, sem amigos, sem a presença (por perto) dos familiares. Os filhos têm os seus afazeres, uma vida atribulada.

Ele passa os dias se lamentando.

A saudade é a sua companheira nos dias vazios, nas noites solitárias.

Ele pensa nos colegas que deixou para trás.

Ele pensa nos familiares que estão longe.

Ele relembra os conhecidos que já partiram.

Ele pensa no sofrimento que está passando enquanto aguarda há quase um ano por uma dentadura. Uma dentadura que não foi escolhida por ele. Mais uma vez ele se deixou levar pela vontade dos outros. Sua gengiva está deformada. Sua alimentação teve que ser mudada. Faz muito tempo que ele não come determinadas comidas, não tem como mastigá-las.

Ele pensa que quando chegar a sua hora vai partir banguelo.

O dinheiro vai e nada da dentadura. 

Ele passou a Páscoa esperando por ela.

Ele passou o Dia dos Pais e nada.

Chegou a primavera, a eleição e nada da dentadura.

Apenas promessa.

Na solidão do seu quarto, ele chora.

No telefone, ao falar com as sobrinhas, ele chora.

Os assuntos são sempre os mesmos.

Ele gosta de saber das novidades para ficar inteirado sobre os acontecimentos da sua cidadezinha.

Ele chora. Ele daria tudo o que tivesse para voltar aos velhos tempos. A missa nas noites de domingo. As conversas com os amigos nas tardes ensolaradas. O café no bar da esquina nas manhãs preguiçosas.

Como ele era feliz!

Ele pensa em como seria bom envelhecer e levar a vida como sempre, com autonomia.

Que saudade!

Hoje ele convive apenas com as lembranças que não o abandonam.

Chora coração.

Ele era feliz e não sabia.

Por quanto tempo chorará?

Ele quer visitar os familiares e os amigos. Terá que ir sem a bendita dentadura? Na sua idade era para ter feito a dentadura comum como estava acostumado. Por que inventarem moda? Uma dentadura fixa, com pinos que só serviram para machucar a sua gengiva? Para fazê-lo sofrer a cada ida ao consultório?

Ah, se arrependimento matasse!

PS: Que este texto sirva de alerta, os idosos não são crianças, eles têm vontade própria. Se a mente está boa, eles estão aptos para tomar decisões. Os filhos só podem decidir por eles em casos específicos.

 

 Obrigada pela visita,

   Cidália.

 

 

 

 

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