Lá vão as duas irmãs pela rua da pequena cidade.
Pessoas vão e vem, aproveitando a tarde amena.
Ao passar pela rua onde morou por mais de sessenta anos, a irmã mais velha sente saudade.
Saudade da casa onde morou, onde criou seus filhos, onde se despediu dos seus pais, do seu irmão, de um netinho. Onde passou por momentos difíceis como enchentes e por momentos felizes como os churrascos em datas importantes.
Ah, que saudade de quando podia receber as suas visitas, de conversar com os conhecidos que por ali passavam e paravam no seu portão ou adentravam.
Saudade de ir até o mercado, padaria ou sacolão que ficam bem perto.
Saudade até mesmo do barulho da rua nas noites de finais de semana.
A sua antiga casa ainda continua lá, solitária, sem ecoar o som das vozes ou das risadas.
A sua antiga casa continua lá, sem testemunhar o choro nos momentos de melancolia.
A sua antiga casa continua lá, abrigando os insetos.
Quem nela fará morada?
Será ela derrubada?
As lembranças de tudo que ela viveu e vivenciou naquela casa, naquela rua, estarão sempre guardadas na sua memória e no seu coração.
As lembranças ruins serviram de aprendizado.
Muitos vizinhos também abandonaram aquela rua.
Mas, outros, ainda continuam lá.
A sua casa era velha, porém, era a sua casa, o seu lar, ela sentia prazer de limpar e arrumar. Outro prazer era fazer alguma comida e chamar os familiares para comer. Podia receber os amigos a qualquer momento para tomar um café e jogar conversa fora.
A lembrança mais remota foi da época em que ali não existia uma rua, era somente um caminho ladeado por goiabeiras e outras árvores. A sua casa foi a segunda naquela localidade. Ali nasceram dois dos seus quatro filhos. A roupa era lavada no rio de água limpa e cristalina. O rio, onde não só eram lavadas roupas, mas era possível tomar banho e até mesmo pescar de vez em quando. No seu quintal havia uma ameixeira e um chapéu de sol, que sombreava um banco onde as crianças se sentavam para brincar. Com o passar do tempo a rua foi aberta e ganhou novos moradores, novos vizinhos. Muita gente passou por ali, alguns deixaram saudades. De alguns ela lembra dos nomes, outros ela lembra de fatos marcantes. A música que um dos vizinhos cantava ela lembra de cor.
Meu romance (Orlando Silva)
Embaixo daquela jaqueira
Que fica lá do alto majestosa
De onde se avista a turma da Mangueira
Quando se engalana com suas pastoras formosas
Ai, foi lá, quem é que disse?
Que o nosso amor nasceu
Na tarde daquele memorável samba
Eu me lembro, tu estavas de sandália
Com o teu vestido de malha
No meio daqueles bambas
Nossos olhares cruzaram
E eu para te fazer a vontade
Tirei fora o colarinho
Passei a ser malandrinho
Nunca mais fui a cidade
Pra gozar o teu carinho na tranquilidade
E hoje faço parte da turma
No braço eu trago sempre o paletó
Um lenço amarrado no pescoço
Eu já me sinto um outro moço
Com o meu chinelo charló
E até faço valentia
Retiro samba de harmonia
Fonte: Musixmatch
A rua era tranquila, as crianças podiam brincar sozinhas sem medo. Mais tarde o comércio chegou ali. No início era apenas um armazém, com o passar dos anos seu pai abriu um estabelecimento pequeno e havia, na frente da sua casa, um sacolão.
Ali, naquela casa, ela passou a maior parte da sua vida. Vivenciou muitas coisas, teve um relacionamento longo com o seu companheiro, foi feliz.
Das árvores que ladeavam a rua antigamente permaneceu uma mangueira, que resiste ao tempo com toda a sua imponência.
Há um estacionamento quase em frente da sua antiga casa. Ali, ela e o filho se sentavam sobre a mureta para papear ou ver o bisneto brincar. Quando os familiares a visitavam era naquele espaço que gostavam de ficar conversando nos dias calorosos.
Aquele rio de água limpa e cristalina passou por muitas enchentes, enchentes grandes que quase cobriram a casa de seus pais e parte da sua e enchentes menores, que se aproximaram da rua. Atualmente a água é suja e poluída. Os peixes morreram. O rio só enche nos períodos de muita chuva, mas não alcança mais a sua antiga casa.
Hoje ela não é mais dona de uma casa, ela é dona apenas de uma suíte.
A casa onde mora é de um dos seus filhos.
Ela é amada, muito bem tratada, mas sente falta da sua casa, da sua independência. Assim é a vida, chega uma hora em que a pessoa se dá conta de que não é mais dona de nada a não ser das suas lembranças.
Obrigada pela visita,
Cidália.
Estou lendo e chorando porque a emoção é bem forte . Quero agradecer a vc por ter passado com tanta emoção este texto , vc é um anjo que Deus me deu de presente não vou me cansar nunca de ler suas histórias fictícias ou verdadeiras, meu muito obrigado te amo minha escritora favorita
ResponderExcluirObrigada, querida irmã, pelo carinho e apoio de sempre!! Fico feliz sabendo que você gostou deste texto, te amo.
ExcluirEssa crônica me emocionou demais, chorei😪. Eu fiz parte dessa história, quando criança frequentei muito aí, passei momentos de encanto com vocês!
ResponderExcluirMuito obrigada, prima, pelo carinho de sempre. Que bom que gostou de relembrar a sua infância através desta crônica. Bjs
ExcluirAs lembranças fortes sempre ficam, não importa os anos que passem seu texto bastante emocionante.
ResponderExcluirObrigada, Lucimar, pelo comentário. Um abraço!
ExcluirOla
ResponderExcluirÈ muito bom lembrar de momentos felizes e de pessoas que fazem parte de nossas vidas :)
Olá, Joana, é verdade! Obrigada, um abraço.
ExcluirOi, tudo bem? Se fosse escolher apenas uma palavra para resumir a minha vida creio que seria essa: nostalgia. Muito bom ter vivido momentos que se tornaram inesquecíveis e nos marcaram tanto. Gostei muito do texto. Um abraço, Érika =^.^=
ResponderExcluirOlá, Érika, tudo bem!
ResponderExcluirQue bom que gostou do texto, obrigada, um abraço!