sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Chora coração

 

 

                                                           foto tirada da internet

Não se vive remoendo o passado.

Poderia ter sido assim.

Eu não queria isso.

Me impuseram.

Não tive escolha.

Não pude decidir.

É preciso aceitar o presente.

É preciso aceitar as mudanças.

É preciso saber viver.

É preciso aprender a conviver com a realidade.

Mas, mesmo sabendo tudo isso, no silêncio da noite, de joelhos dobrados, ele reza e chora.

Ele reza pedindo a Deus que tenha misericórdia, que faça o melhor na sua vida nos anos que lhe restam.

Ele chora ao pensar que precisa aceitar a realidade.

Ele chora pela vida alegre que poderia ter se tivesse se imposto. Poderia ter continuado a sua rotina, aquela mesmice de sempre que o acalentava.

Ele chora ao sentir-se arrependido de ter saído da sua antiga casa, da sua cidade natal.

Ele se tornou um homem triste, sem amigos, sem a presença (por perto) dos familiares. Os filhos têm os seus afazeres, uma vida atribulada.

Ele passa os dias se lamentando.

A saudade é a sua companheira nos dias vazios, nas noites solitárias.

Ele pensa nos colegas que deixou para trás.

Ele pensa nos familiares que estão longe.

Ele relembra os conhecidos que já partiram.

Ele pensa no sofrimento que está passando enquanto aguarda há quase um ano por uma dentadura. Uma dentadura que não foi escolhida por ele. Mais uma vez ele se deixou levar pela vontade dos outros. Sua gengiva está deformada. Sua alimentação teve que ser mudada. Faz muito tempo que ele não come determinadas comidas, não tem como mastigá-las.

Ele pensa que quando chegar a sua hora vai partir banguelo.

O dinheiro vai e nada da dentadura. 

Ele passou a Páscoa esperando por ela.

Ele passou o Dia dos Pais e nada.

Chegou a primavera, a eleição e nada da dentadura.

Apenas promessa.

Na solidão do seu quarto, ele chora.

No telefone, ao falar com as sobrinhas, ele chora.

Os assuntos são sempre os mesmos.

Ele gosta de saber das novidades para ficar inteirado sobre os acontecimentos da sua cidadezinha.

Ele chora. Ele daria tudo o que tivesse para voltar aos velhos tempos. A missa nas noites de domingo. As conversas com os amigos nas tardes ensolaradas. O café no bar da esquina nas manhãs preguiçosas.

Como ele era feliz!

Ele pensa em como seria bom envelhecer e levar a vida como sempre, com autonomia.

Que saudade!

Hoje ele convive apenas com as lembranças que não o abandonam.

Chora coração.

Ele era feliz e não sabia.

Por quanto tempo chorará?

Ele quer visitar os familiares e os amigos. Terá que ir sem a bendita dentadura? Na sua idade era para ter feito a dentadura comum como estava acostumado. Por que inventarem moda? Uma dentadura fixa, com pinos que só serviram para machucar a sua gengiva? Para fazê-lo sofrer a cada ida ao consultório?

Ah, se arrependimento matasse!

PS: Que este texto sirva de alerta, os idosos não são crianças, eles têm vontade própria. Se a mente está boa, eles estão aptos para tomar decisões. Os filhos só podem decidir por eles em casos específicos.

 

 Obrigada pela visita,

   Cidália.

 

 

 

 

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sábado, 12 de outubro de 2024

Ausência de liberdade

 


Talvez alguns leitores pensem no fato deste blog falar muito sobre os idosos. Apesar de esquecer de vez em quando, como outro dia na fila da lotérica, eu sou idosa. Gosto, portanto, de refletir sobre muitas situações que vejo ou que escuto.

Desta vez quem me levou a escrever este texto foi um idoso de 80 anos que viveu sozinho e longe dos filhos durante muito tempo. Cada vez que ele recebia a visita de um dos filhos ficava muito feliz.

Morando no centro da pequena cidade, ele tinha acesso ao mercado, padaria, restaurantes, igreja, Banco, e principalmente, aos amigos.

Seu passatempo era sair após o almoço e se encontrar com os amigos para um bate papo. Sentados na calçada de uma loja ou num banco da praça, passavam horas conversando. Naquela roda de amigos ele ficava por dentro das novidades. Seu irmão caçula também participava desses encontros, às vezes. Quem disse que homem não fofoca?

De vez em quando ele ia tomar café na casa das sobrinhas ou na casa de alguma conhecida.

Sua vida seguia tranquilamente até o dia que alguém da sua família falou que na idade dele, ele não poderia mais morar sozinho.

Apesar de se virar muito bem, ser um homem organizado, ter autonomia para pagar as suas contas, aceitou se mudar para a cidade grande para morar perto do filho. Antes, construiu uma casa para si. Não queria morar junto com o filho. O bairro onde foi morar, um lugar perigoso, o assustou no início. Suas asas foram cortadas. A princípio, tudo transcorreu muito bem em família. Ali ele tinha alguém que o acompanhava em consultas médicas, etc.  A dificuldade para ele andar de ônibus sozinho era grande.

Ele tornou-se uma pessoa dependente.

Ali naquele bairro, a área comercial era distante. Ao menos a marmita ele pedia por telefone como já era habituado.

O tempo foi passando e ele cada vez mais arrependido por ter deixado se levar. Segundo as suas palavras, passaram a decidir por ele, ele perdeu a voz. Não perdeu totalmente a autonomia, porque ainda é capaz de receber e pagar as suas contas.

A velha casa permanece fechada na pequena cidade de onde jamais deveria ter saído.

Ele passa os dias se lamentando por ter ido morar naquele lugar onde não consegue ter a liberdade para sair e fazer amizades. Seu sonho é voltar para a sua cidade natal.  

Se ele não podia morar sozinho aos 75 anos, imagina agora aos 80 anos!

Os sonhos ninguém pode tirar dele, pois carrega dentro de si uma energia positiva.

Ele vive um dia de cada vez com a esperança de que ainda voltará para a sua velha casa.  Ainda é um homem forte, lúcido que não quer ser um fardo para os filhos.

Que bom seria se os idosos tivessem autonomia para tomar as decisões até o final da vida. Claro, isso se estivessem com as faculdades mentais normais.

Hoje em dia vemos tantos idosos ativos, se exercitando ou até mesmo trabalhando. Sem falar em inúmeros idosos que estão ativos entre os políticos.

Podemos pensar que graças a Deus que o personagem deste texto tem uma família que se preocupa com o seu bem estar, enquanto sabemos da existência de idosos abandonados numa casa de repouso.

Enfim, fica aqui uma reflexão e o pedido a Deus de que todos os idosos vivam bem, com dignidade e amparo.

\você, leitor, jovem ou idoso seja feliz acima de tudo.

 

 

Obrigada pela visita,

Cidália.

 

 

 

 

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Um brinde à vida


 

Hoje, ao completar mais um ciclo de vida ela pensou no tempo, que parece um vilão silencioso. 

Um vilão silencioso que vai avançando sem pressa e sem pausa, levando-a lembrar-se de que não está no controle de nada.

Os erros fazem parte do caminho e o verdadeiro aprendizado vem nas horas de silêncio. É nesse momento de silêncio que o mundo desacelera e ela, finalmente, escuta a sua própria voz. 

Nesse momento de silêncio ela pensa, também, nas coisas que aprendeu, nos pedaços que deixou para trás, e nas partes de si que resistiram e floresceram. 

É nessa oportunidade de olhar para dentro que ela consegue enxergar, com clareza, quem é agora. Ela não é a pessoa que imaginou ser, não a versão ideal que projetou para o futuro, mas quem realmente é, com todas as suas imperfeições. 

Hoje ela não espera grandes respostas. 

Hoje ela não faz planos mirabolantes, nem se cobra para ser outra pessoa. 

Hoje ela apenas respira fundo e agradece por tudo o que viveu até aqui. Ela sabe que a jornada continua e o tempo segue seu curso, mas, por um momento, pode se permitir parar, agradecer e, finalmente, celebrar o simples fato de estar viva, consciente, presente.

 PS: Essa reflexão foi copiada (com autorização) de uma pessoa muito especial para mim.

Enquanto eu lia a postagem só conseguia pensar naquela menina que segurei no colo. Ela foi a minha primeira afilhada, prometida pela mãe, minha sobrinha,  ainda na época em que sua mãe e eu brincávamos de batizar as bonecas. Então, quando ela nasceu, uma boneca de verdade, me tornei sua madrinha. Pena que naquele tempo as fotos eram tiradas em raras ocasiões. As fotos eram tiradas por um fotógrafo e mais tarde por alguém da família que adquiriu uma câmera. A maioria das lembranças ficou armazenada em nossas mentes. E é por isso que gosto de escrever algumas memórias.

Essa linda menina se tornou uma linda mulher, independente, brilhante profissional e mãe amorosa. 

Um brinde a sua vida!

 

                                                 Obrigada pela visita,

Cidália.



 

 

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Olhar perdido

 


Os olhos fixos em cada rosto que está a sua frente.

O olhar perdido como se estivesse vagando através das velhas lembranças.

Um olhar perdido que procura o nada sem nada encontrar.

Um olhar perdido que não se sabe onde achar.

Lembranças de um passado distante que a confunde com o presente.

Quem são aquelas pessoas que olham sorridentes para ela? Que contam causos, que fazem perguntas, que dizem palavras bonitas, que esperam que ela interaja?

O olhar continua perdido, fixo em cada rosto. Um breve sorriso acompanha seu olhar.

A voz baixinha sussurra poucas palavras.

Ela admira os presentes sem lembrar mais de quem os recebeu.

Pede às pessoas que permaneçam ali por mais tempo. Apesar de não interagir como antigamente, gosta de ver que não está sozinha.  Gosta de ouvir os risos, as conversas, mesmo sem entender sobre o que estão falando.

Em cada rosto que a rodeia ela se perde divagando.

Ela olha para o relógio em seu braço sem ver as horas.

Àquelas pessoas cantam, batem palmas, repetem um nome, oferecem coisas pra ela comer.

Ela não aguenta muito tempo sentada.

Ela continua a admirar uma pulseira que ganhou, balança o braço para ouvir o som dos pingentes dependurados.

Têm noites que a insônia é a sua companheira. Nessas noites ela chama pelos amados que partiram. Nessas horas a sua mente visita um passado longínquo.

No presente sua rotina é sempre a mesma.

Era no passado que as coisas aconteciam.

No presente ela apenas sobrevive.

Era no passado que ela vivia.

No presente ela já não é mais a mesma.

Era no passado que ela era uma mulher ativa, com sonhos e esperança.

No presente ela é dependente.

No passado ela foi independente.

O que se esconde por trás daquele olhar perdido? A imagem da cidade numa tarde ensolarada, onde pessoas trafegam pra lá é pra cá em busca de algo ou apenas passeiam sem destino ou a imagem da cidade numa tarde chuvosa onde poucas pessoas saem de casa e as ruas encontram-se quase vazias?

No presente o que a deixa feliz? O que faz com que seus lábios se abram num breve sorriso?

No olhar que divaga através do tempo vivido ainda resta alegria?

São muitas perguntas e nenhuma resposta.

Apenas e somente ela sabe o que se passa em sua mente.

O tempo foi lhe tirando aos poucos suas lembranças.

Há somente o olhar perdido divagando nos dias e noites que se entrelaçam, misturando sonhos e realidade.

    


Obrigada pela visita,

Cidália.