terça-feira, 28 de outubro de 2025

O abraço

                                                          (imagem copiada do Pinterest)

Sentados um ao lado do outro.

Na igreja.
Faltando alguns minutos para a missa começar.
Ele pede que ela adivinhe alguma coisa.
Ela não entende a pergunta.
Ou melhor, ela entende outra coisa.
Ele, então, conta sorrindo que outro dia encontrou o irmão mais velho e pela primeira vez se abraçaram.
Detalhe: ele com mais de 70 anos e o irmão com mais de 90 anos.
Com o sorriso estampado no rosto ele repetiu.
- Foi o primeiro abraço.
E antes da missa começar ele conseguiu desabafar que o problema sempre foi dele.
Ele, o irmão caçula foi o menino tímido, introvertido, acanhado.
Ele sempre se sentiu diferente dos irmãos, com dificuldade para fazer amizades.
A sua família não tinha o hábito de se abraçar.
O irmão mais velho foi criado por um parente.
Outro irmão foi criado pela avó.
Somente ele e um outro irmão foram criados pela mãe.
A missa começou e o assunto foi encerrado.
Nos seus lábios o esboço do sorriso permaneceu.
Ele abraçou o irmão mais velho.
Ele foi abraçado pelo irmão mais velho.
Provavelmente o irmão mais velho sentiu a mesma coisa que ele. Uma vivência que não fez parte da vida de ambos. Os dois irmãos cresceram afastados. Sem compartilhar as risadas. Sem trocas de carinho. Sem afinidades. Cada um formou a sua família sem participar da vida do outro. Apenas encontros casuais. O que um sabe da vida do outro? 

Esse abraço pode ser o primeiro de muitos. Um abraço acolhedor. Um abraço que deixou ambos felizes.

 PS: Há um poder de cura no abraço que desconhecemos.

Obrigada pela visita,

Cidália. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 19 de outubro de 2025

A casa

 

 




Era uma vez uma casa.

Uma casa grande,
cheia de vozes,
e de berros.
Uma casa repleta de alegria.
Uma casa com crianças,
e animais de estimação.
Uma casa onde vivia uma família.
Uma família com seus problemas,
e desavenças.
Uma família como outra qualquer.
Um certo dia a matriarca se foi.
É chegada a sua hora.
Os familiares se afastaram.
Cada um seguiu seu rumo.
Quem ficou na casa não teve como se manter. 
Foram levados para serem cuidados.
A casa ficou abandonada,
com suas paredes corroídas pelo tempo.
A casa ficou sem vozes,
e sem os berros.
A casa se encheu de tristeza. 
A casa ficou vazia.
A casa ficou assombrada.
A casa ficou deteriorada.
A casa enfeava a rua.
Chegou, então, o dia em que a casa foi derrubada.
No lugar onde havia uma casa, que abrigou por muito tempo uma família, tem agora um amontoado de entulhos. Por pouco tempo.
Em breve haverá somente um espaço vazio entre os outros imóveis.
Somente os moradores antigos da rua conhecem a história daquela casa.
Daquela casa que, em breve, ninguém mais se lembrará.
O terreno pertence à prefeitura.
Algo novo surgirá no local? Ou não?
Somente os moradores antigos da rua lembrarão das pessoas que moraram ali.


Chegará o dia em que as velhas lembranças ficarão soterradas junto com o entulho em algum lugar bem longe dali.
 
 
Obrigada pela visita,
   Cidália. 

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Separação

 

 



Um lindo pássaro engaiolado.

Sobre a gaiola um outro passarinho o segue.
Eles conversam no seu linguajar.
O canário do lado de dentro.
O outro, talvez o macho, do lado de fora.
Eles não querem se separar.
O de dentro não pode sair.
O de fora não consegue entrar.
Então, um fora e o outro dentro, fazem companhia um ao outro.
Aquele que está dentro perdeu a sua liberdade.
Seu espaço foi limitado.
Ele apenas voa de um canto a outro da gaiola.
Aquele que pode voar livremente não quer deixar sua companheira sozinha.
Os pássaros que sempre aparecem na árvore do vizinho, para comer frutas, sumiram.
Medo de serem capturados?
Pobres bichinhos indefesos.
Eles querem apenas poder voar livremente.
Eles querem pousar num galho de alguma árvore.
O vento balança as folhas da bananeira que cobre parcialmente a gaiola.
Os dois pássaros continuam a sua conversação.
Um do lado de dentro e o outro do lado de fora.
Provavelmente o que está dentro cobice a liberdade do que está fora da gaiola.
No final do dia, quando o sol se despede e vai chegando a noite, o pássaro de fora vai procurar um galho para pernoitar.
O pássaro de dentro se encolhe no seu espaço reduzido. Ele adormece sem esperança de voar livremente com o seu parceiro.
Outro dia virá e tudo continuará igual.
Essa é a triste realidade de muitos pássaros que vivem presos numa gaiola. O seu canto é um lamento.
 
Obrigada pela visita,
      Cidália. 
 

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Finitude

 




Quando ela ouvia a palavra finitude,

Pensava no fim da tarde, 
No por do sol à beira da praia,
Uma maravilha da natureza.
Pensava no fim do dia, 
Quando a escuridão começava a surgir,
E as estrelas surgiam no céu, acompanhando a lua.
Pensava no final da semana,
Aguardado com anseio pelos trabalhadores.
Pensava no fim do mês,
Que partia silencioso, cedendo o lugar ao mês seguinte.
Pensava no final do ano, 
Nas festas de confraternização,
E nas festas de boas vindas ao novo ano.

Pensava no fim de alguma estação,
Que se recolhia para dar espaço para a próxima.
E o que dizer do fim de namoro ou do fim de um casamento?
Pode ser triste para alguns casais,
E a melhor decisão para outros.
Quanto ao fim de carreira, 
É uma dádiva para àqueles que cumpriram seu papel na sociedade.
E o fim de uma década?
É o tempo voando!
O final de um filme ou série,
Pode ser bom para uns e horrível para outros,
É questão de gosto.

Quando era criança as histórias sobre o fim do mundo eram assustadoras, causavam pesadelos.

Ela jamais pensou no final de uma vida, apesar de ter perdido muitas pessoas amadas. Não é um assunto fácil para se pensar.

Quando se vê por aí idosos bem dispostos,

É difícil imaginar o tempo que eles têm.
Tempo para viverem aquilo que não viveram,
Tempo para curtirem uma viagem sonhada,
Tempo para verem os netos crescerem,
Tempo para fazerem as coisas que quiserem, na hora que quiserem.

No hospital, uma conversa entre duas mulheres fez com que ela prestasse atenção ao assunto. 

- O idoso precisa se cuidar para não dar trabalho no futuro. Os cuidados do idoso acabam respingando entre os familiares.

- Muitos filhos não têm paciência com os pais idosos, alguns são difíceis de lidar. E muitas vezes é por falta de tempo, pois cada um tem a sua rotina.

- Criticar, atirar pedras, é fácil.

- Quando se trata de acompanhá-los durante uma internação é muito difícil. 

- Encontrar um familiar com disponibilidade é como procurar uma agulha num palheiro.

- Chega um momento em que o idoso se torna um fardo.

Ela lembra de um vídeo onde diz que uma pessoa só sabe se realmente é amada, quando não for mais útil.
Ela saiu dali com a cabeça cheia de pensamentos. Ninguém sabe qual é a sua hora. Ninguém sabe o que tem que enfrentar no dia a dia. Só Deus é quem sabe.


Afinal a idade é um presente, não um peso.
Estar vivo é uma dádiva.

 

Obrigada pela visita,

                        Cidália.

terça-feira, 15 de julho de 2025

Paciência

 



 


O dia começa bem cedo.

Uma manhã não muito fria.
O motorista, um ex-aluno,
Um querido.
Uma viagem curta e tranquila.
Conversa animada.
É hora de esperar,
Aguardar a chamada.
A paciência é a melhor companhia.
Na manhã de domingo.
O celular mudo,
A internet não funciona.
O passatempo é escrever,
Detalhar os momentos.
Conversas paralelas são ouvidas,
A fome começa a dar sinal,
O café foi muito cedo.
Parece que o tempo parou.
Bocejos e mais bocejos,
Sono ou fome?
Provavelmente os dois.
Barulho de coisas batidas,
Passos barulhentos na escada de aço,
Choro de criança ao longe,
Pessoas cochilando,
Pessoas cochichando.
Pessoas conversando.
Pessoas friorentas.
Ficar sentado numa cadeira desconfortável não é nada fácil.
Uma criança, choramingando, passa com o braço enfaixado.
Um médico passa sem enxergar os pacientes sentados.
Funcionários andam de um lado a outro.
Ninguém cumprimenta ninguém.
Alguém ao lado cochila,
A espera é grande.
Quanto tempo mais?
Paciência!
Na manhã de domingo,
Alguém dorme tranquilamente,
Enrolado no cobertor quente.
Outros dormem, sentados, numa cadeira.
De repente uma notícia,
Por conta de uma infecção urinária,
O procedimento ficará para a semana seguinte.
A espera, agora, é pela condução. 
Um lanchinho vai bem. 
A fome continua... 
O jeito é ver se tem uma lanchonete aberta. 
Um quibe e um café. 
Agora sim! 
Logo a condução chega. 
Graças a Deus! 
Passar a tarde maratonando uma série é uma ótima opção. 
 
 
 
Obrigada pela visita, 
 
Cidália.













segunda-feira, 30 de junho de 2025

Apenas um desabafo

                                            (foto copiada do Instagram)
O choro contido por anos

de repente vem à tona.
No desabafo,
no pedido de socorro.
Sua voz, silenciada por anos,
de repente grita,
enquanto ele vê sua vida se esvaindo.
Mas o que fazer, quando se é o alicerce da família?
Quando aos oitenta e tantos anos, é o muro de arrimo de alguns familiares?
Ele não se cansa de repetir que está onde está porque não teve opção, foi forçado a deixar seu refúgio por causa da idade.
Ele repete com a voz embargada pelo choro que gostaria de voltar para a sua antiga morada.
Sua autonomia foi perdida.
Ele não pode mais tomar decisões.
O lamento por envelhecer longe do lugar onde viveu grande parte da vida.
A tristeza de saber que não pode mais ter vontade própria.
Seu coração vive em profunda tristeza.
Ele sente-se dentro de uma prisão.
Não tem amigos,
não pode sair para caminhar sem hora para voltar.
Não visita ninguém e nem recebe nenhuma visita.
Sabe das coisas pelo noticiário ou quando fala por telefone com amigos e familiares. Gosta de estar a par das novidades, de saber sobre os parentes e conhecidos.

 A pergunta que não quer calar:
- O que esses familiares fariam se ele não existisse?

Do outro lado do telefone, a ouvinte não sabe como confortá-lo. Ela conhece a sua história, porém nada pode fazer para ajudá-lo, a não ser ouvi-lo.

Ele tem a opção de morar com a filha em outra cidade onde será bem cuidado e amado. Basta se decidir, basta deixar tudo para trás e entender que morar sozinho na sua cidade natal já não é mais possível. 

 

Deixe a sua opinião, ela será bem-vinda!

 Obrigada pela visita,

Cidália.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

O retorno

Há uns quatro meses desaparecido.

 

Numa certa manhã, a sua falta foi notada.
Fotos espalhadas nas redes sociais.
Procura-se!
Quem viu, favor entrar em contato.
A dona chora pela sua ausência.
O que aconteceu com ele?
Inúmeros questionamentos.
Foi levado por alguém?
Foi levado por um gavião?
Ele não saía sozinho,
Não era aventureiro.
Por onde ele andava?
O que aconteceu com ele?
Perguntas sem respostas.
O tempo foi passando,
Nenhuma notícia.
No dia da festa do aniversário da sua dona, o telefone toca.

 -Tia, adivinha quem apareceu? Magro, machucado, sujo, com os dentes moles, esfomeado.
 

A dona entra em contato com a veterinária.
Ele precisa de cuidados.
A alegria de tê-lo de volta é grande.
Porém os questionamentos continuam.
Há um mistério em torno do seu desaparecimento.
A resposta mais provável é de que ele foi levado para longe, por alguém.
Mas ele perambulou durante meses como um andarilho, até encontrar o caminho de volta para casa.
Passou frio, fome, caiu e se levantou, sem desistir do seu objetivo.
Pode ter ficado preso e quando conseguiu escapar, perambulou até encontrar o caminho de casa.
Inúmeros questionamentos.

Como na música de Roberto Carlos,
Ele apareceu em frente ao portão.
A cachorra não latiu porque o reconheceu, apesar da sua aparência lastimável.
Ele voltou, agora, para ficar.
Porque ali é o seu lugar.
Ali, onde ele é amado.
Onde ele é cuidado.
No dia do aniversário da sua dona.
Ele tem sete vidas!




 
 

 
 
 
A sua opinião será bem-vinda.
 
Obrigada pela visita,
 
Cidália.