quarta-feira, 12 de março de 2025

Ouvidos aguçados

 

 


Olhos curiosos observam àquela senhora de calça jeans e um salto fino, altíssimo. Como ela, no auge dos sessenta e tantos anos, consegue se equilibrar naquele salto?

Os olhos atentos observam e os ouvidos aguçados ouvem a tal senhora contar a sua história enquanto aguarda a sua vez para fazer um exame.
Àquela senhora, faceira, conta que desde os 30 e poucos anos faz botox. 
O primeiro procedimento a que se submeteu foi uma rinoplastia em São Paulo. 
Depois dessa época não parou mais. Pegou gosto pelo botox. Ela diz que não faz academia. Após a aposentadoria gosta de curtir a sua casa. 
Malhar e ficar suada não faz o seu estilo. 
Ela fala que está pensando em fazer uma harmonização facial. Ela conta que sempre foi vaidosa com a sua aparência. 
Os ouvidos aguçados acompanham a conversa, sem perder uma palavra. 
Pensa em como pode alguém se importar tanto com a aparência do rosto e não querer praticar nenhuma atividade física para manter a saúde do corpo. Se bem que a tal senhora diz que cuida da alimentação, que sempre cuidou. 
De vez em quando a ouvinte, uma moça bem jovem, demonstra interesse pelo assunto. Diz que pretende fazer algo no seu rosto.
A conversa vai longe, os ouvidos aguçados sempre atentos.
A senhora se levanta (ela estava sentada no degrau da escada). Anda com naturalidade sobre os saltos desconfortáveis, enquanto caminha em direção à entrada do hospital para pedir uma informação. 
A ouvinte já sabe muito sobre a tal senhora. Fica sabendo sobre a sua família, sobre o falecido marido que morreu de COVID em 2020. Fica sabendo a opinião da tal senhora sobre a vacina. Fica sabendo sobre o seu trabalho e acaba conhecendo um dos filhos que está ali, acompanhando-a.
Os olhos curiosos e ouvidos aguçados, sem pronunciar uma palavra sequer, observa que a ouvinte falou pouco. Muito pouco. 
Provavelmente àquela senhora não tivesse com quem conversar, então, aproveitou a oportunidade enquanto aguardava a sua vez.
Quantos idosos vivem sozinhos e quando têm uma oportunidade contam as suas histórias!
Quantos idosos aproveitam para usar as roupas e calçados que estavam guardados há muito tempo!
Para a maioria dos idosos um salto altíssimo é desconfortável, mas àquela senhora não estava preocupada com conforto.

Àquela senhora talvez pense na vida que  prenuncia um futuro viçoso e um outono cheio de fartura, enquanto sua mocidade se esvai lindamente como uma flor. Se a vida fosse as quatro estações, estaria ela no outono agora? 
 
No dia seguinte, em outro momento, também num ambulatório médico, os olhos atentos observam os looks das pessoas que entram e saem dali. Ela vê uma senhora na casa dos cinquenta saindo com o celular no ouvido. A mulher toda empoderada exibe as suas longas pernas num short curtíssimo. Isso sim que é sentir-se bem sem ligar para a opinião dos outros. Essa senhora demonstra segurança. Ela está no auge, com o corpo bem torneado, por quê escondê-lo? Tem que aproveitar o final do verão para andar à vontade. 
Nessas andanças pelos hospitais e ambulatórios médicos os olhos atentos e ouvidos aguçados gosta de observar as pessoas para passar o tempo. Sabe que não é nenhuma crítica de modas (não entende do assunto). 
 
PS: Antigamente as pessoas se preocupavam em usar a roupa adequada para cada tipo de lugar. Há muito tempo essa preocupação deixou de existir pelo que vemos.
 
Sua opinião é sempre bem vinda, obrigada.
                                 Cidália.

 

 


6 comentários:

  1. Os ouvidos aguçados e olhos atentos nos proporcionam uma bela crônica. Para mim expõe essa busca desesperada pela eterna juventude...Pode fazer mil procedimentos, mas nada faz voltar as feições frescas da mocidade! Algumas até se deformam sem perceber.... Nc fiz nada, mas estou começando pensar em algo leve, sutil. Qto ao corpo, ainda uso short curto no verão, pq eu posso. Simples assim, né, querida escritora! Beijo
    Amei essa crônica!!!

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  2. Lendo esse post e imaginando exatamente o que você relatou.

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  3. Embora muita coisa tenha mudado, eu ainda sou do tipo que acredita que existe uma vestimenta para cada ocasião. Embora eu pense assim, não julgo quem pensa e age diferente, acredito que se a pessoa se sente feliz, então está tudo bem!

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  4. Hoje em dia tudo mudou, eu me visto de acordo com o lugar, acho feio a pessoa está em um lugar sério com roupas inadequada.

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  5. Existe algo chamado dress code. Tem ugares que exigem vestimentas adequadas para aquele ambiente.

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  6. Eu acho muito inadequado entrar num hospital com um chort curto ,salto alto e calça jeans acredito que pode ser usado em qualquer idade depende da pessoa gostei muito da sua observação , parabéns pela escrita

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