terça-feira, 13 de abril de 2021

Memórias de um ancião




                                                 

Aos 90 anos de idade Seu Jorge, conhecido por todos pelo apelido de "Dinho”, é um senhor de cabelos brancos, muito vaidoso (na hora da foto coloca seu chapeuzinho e faz positivo com o polegar).

Até pouco tempo, dois anos mais ou menos, ele dirigia. Sempre gostou de ser independente. Um homem trabalhador que desde muito jovem arregaçou as mangas e foi à luta. Foi criado, segundo ele, pelo padrinho. Sua mãe não tinha apego aos filhos.  

Talvez, a questão nem fosse o apego, quem sabe ela se "desfazia" dos filhos devido a falta de comida em casa. Provavelmente ela pensava no bem deles e sabia que fora dali eles teriam mais chance de viver melhor. Para uma mãe era difícil ver o filho passando fome e não poder fazer nada. 

A vida na zona rural nos anos 30 era dificílima para quem não tinha um bom pedaço de terra para plantar.

Por causa de uma briga inocente com um dos seus irmãos, Jorge, vulgo Dinho, foi expulso de casa aos seis anos de idade. Quem o acolheu foi seu padrinho, um homem remediado. Na sua casa não faltava o que comer.

Três dias após o ocorrido, Dinho encontrou seu pai, por acaso, e o evitou.

- Fiio - ele o chamou- Sei que ocê tá mió na casa do cumpade.

Cabisbaixo, Dinho seguiu seu rumo sem responder ao pai.

Dali em diante, Dinho trabalhou na roça fazendo o que estava ao seu alcance, ele via seus irmãos de vez em quando.

O tempo passou e ele se "engraçou" pela jovem Maria. Casaram-se e foram morar na casa de seu irmão mais velho que era casado e tinha uma filha pequena. Esse irmão também havia sido expulso de casa pela mãe e fora criado pela avó.

Se a vida era difícil para uma pessoa, imagina para duas ou mais pessoas. A comida era escassa, precisava ser controlada. Naquela época não existia desperdício.

O jovem Dinho era um rapaz determinado. Aprendeu a ler com seu irmão mais velho que por sua vez, aprendera sozinho, tal era a vontade de ler e fazer contas.

Na escola da vida, Dinho aprendeu muito. Saiu para trabalhar em outro município, porém depois de algum tempo voltou com a família para a zona rural. Os filhos começaram a chegar e ele sentiu a necessidade de ter a sua casa.

Esse retorno para a sua terra foi muito bom. Dinho se deu bem nas plantações, principalmente na plantação de cana de açúcar.

A partir dali, Dinho começou a "juntar" as moedas e mesmo com todas as dificuldades para criar os filhos conseguiu, aos poucos, aumentar seu patrimônio, tornou-se um homem próspero. Foi um bom negociante.

Hoje, recordando o passado, a mágoa que ele sente é não ter aproveitado mais a vida com a esposa. Ela faleceu sem conhecer o mar. Não que ele não a convidasse para sair, o fato era que ela era uma mulher caseira.

Maria não gostava de usar sapatos, o calçado que usava era o chinelo, por isso tinha vergonha de sair. Para Maria, cuidar do marido, dos filhos e da casa era o suficiente. Ela era uma pessoa muito tímida e retraída.

Ao ficar viúvo, Dinho se tornou alvo de conquista. Afinal, aos olhos das mulheres viúvas ele era um bom partido. Ele chegou a se envolver com uma senhora, alguns anos depois de uma vida solitária. A tal senhora, distinta, morava na cidade e não se acostumou na zona rural. Dinho, por sua vez, também não conseguiu viver na cidade. Os dois, infelizmente, não encontraram um denominador comum.

Uma outra senhora que se interessou por ele não deu certo porque ela gostava de dançar e ele não. Essa mulher encontrou um outro viúvo que gostava das mesmas coisas que ela e se casaram. Os dois curtem a vida juntos.

Com o passar do tempo, Dinho arrumou uma companheira que foi morar com ele. Uma senhora muito pacata e tímida. Ele pensou que tinha, enfim, encontrado alguém para viver com ele até o final da vida. Tudo parecia bem até que se separaram. 

Relembrar o passado é tudo o que resta ao Dinho. Não que ele não tenha outros assuntos. Ele está com a memória muito boa e está por dentro das notícias da atualidade. Até dá alguns conselhos aos jovens. Falar do passado para ele é manter viva a lembrança daqueles que se foram.

Na sua vizinhança há somente um outro senhor que tem a sua idade. De vez em quando eles conversam.

Nos outros dias Dinho passa muito tempo deitado, esperando que apareça alguém para ouvir os seus "causos".

Muitos idosos passam o dia à espera de alguém para exercitarem a memória, principalmente, aqueles que não têm um passatempo ou que têm dificuldade para se locomoverem.

No caso do Seu Dinho, ele ainda mora sozinho porque gosta de ter autonomia, de manter a sua independência. Ele mora bem próximo dos filhos e uma das filhas que mora em frente tem a chave da casa e está sempre de "olho" nele. Todos os filhos são muito cuidadosos e têm um grande respeito pelo pai.

Quanto à mãe, Dinho não guardou ressentimento pelo que aconteceu na sua infância. Foi na casa dele que ela viveu seus últimos anos, sob seus cuidados e da sua esposa Maria.


Seu Jorge, aquele que tem seus motivos para preferir ser chamado por Dinho, disse que sua história é digna de um livro. Pode ser que em breve este conto se transforme num livro, quem sabe? Seu Dinho tem muitas histórias para contar.

Sua visita é bem-vinda, obrigada!

 

Cidália.


42 comentários:

  1. Que lindo prima amei 🙌🏻🙏🏻👍🏼

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  2. Linda a história do meu avô

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  3. Me emocionei com essa história vc escreve muito bem Cidalia daria pra vc escrever um livro parabéns Deus abençoe

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  4. Que linda história do Dinho! Adorei o seu conto "Memorias e um Ancião". Eu adoro histórias de superação e me emocionei com essa!

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    1. Muito obrigada pelo comentário, Roberto. Fico feliz sabendo que gostou da história do Dinho.
      Um abraço.

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  5. Gostei muito da história do Dinho, é pra se emocionar, você sempre trazendo contos fantásticos, com certeza a história do Dinho é digna de um livro, bjs.

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  6. "Memórias e um ancião" tocaram no meu coração. Que história linda.

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  7. É gostoso ouvir histórias de pessoas que viveram muito, eu adoro. Gostei de conhecer um pouco do sr Dinho!

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  8. Oiee minha londa Cidália! Amo ler seus contos, o modo como costura as palavras me emociona sempre. Sr. Dinho me parece um homem de garra e realmente a vida dele daria um bom livro. Que Deus o abençoe.
    Beijos,
    Paloma Viricio💫💙

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    1. Olá Paloma,
      Muito obrigada pelo carinho!
      Sim, ao relembrar a sua história ele comentou que daria um livro. Amém!
      Beijos!

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  9. Oi Cidalida, tudo bem?
    Que história inspiradora. Foi comovente ver a jornada tão difícil dele. Não deve ser fácil para uma mãe, precisar abrir mão do filho para que ele tenha chances de sobreviver. Mas não é nada fácil para um filho perder seus pais. Lindo!! Parabéns pelo texto.
    beijinhos.
    cila.

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    1. Olá Cila, tudo bem!!
      Pois é, é muito difícil tanto para a mãe quanto para o filho.
      Muito obrigada!!

      Beijinhos!

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  10. Nossa!!! Que linda História. Garra pura. Fiquei emocionada <3 Obrigada por compartilhar.

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    1. Olá Paulinha,
      Eu é que agradeço pelo comentário!

      Beijos!

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  11. Gosto muito dos seus contos e o do Dinho não é diferente!

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  12. Que lindo seu conto, a nós resta apenas parabenizar seu Jorge não é mesmo? Foi muito emocionante ler. Parabéns pela escrita e pelo post!

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  13. Que linda história super emocionante do senhor Dinho! Adorei o seu conto "Memorias e um Ancião". Eu adoro tudo que você escreve, e essa em especial é muito emocionante. Parabéns pelo post, obrigada por compartilhar

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    1. Eu é que te agradeço, Elizabeth!!
      Valeu pelos elogios!

      Beijos!

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  14. Que linda história super emocionante do senhor Dinho! Adorei o seu conto "Memorias e um Ancião". Eu adoro tudo que você escreve, e essa em especial é muito emocionante. Parabéns pelo post, obrigada por compartilhar

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  15. Certamente o Sr. Dinho tem muitas histórias para nos contar e também nos ensinar. Lindo texto, você sempre tem linda inspiração nos seus contatos.

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    1. Vida longa ao seu Dinho! Um homem inspirador e cheio de histórias de uma vida. Amei seu texto!

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    2. É verdade, Lenny!! Eu fico atenta às conversas e muitas vezes uma palavra ou frase que ouço me inspira.
      Obrigada, beijos!

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    3. Muito obrigada, Julli, que bom que você gostou!!

      Beijos!

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  16. Olá Cidália, tudo bem?

    O senhor Dinho parece realmente merecer um livro, pois tem muitas histórias e coisas para contar. Esse texto seu me fez sentir muitas emoções por ele, que parece ser uma pessoa sensacional, uma grande inspiração.

    Beijos!

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    1. Olá Alice, tudo bem!!

      Sim, é muito bom ouvi-lo e ele fica feliz em compartilhar suas histórias.

      Obrigada, beijos!

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  17. Oi, tudo bem? Que história mais envolvente. Impossível não imergir e vivenciar tudo isso junto com o Dinho. A vida em si tem altos e baixos e muitas vezes precisamos aprender com isso. Como dizem nossos pais a vida é a melhor das professoras concorda? Tirar as melhores lições e amadurecer. Lindo texto, parabéns! Um abraço, Érika =^.^=

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    1. Olá Érika, tudo bem!!
      Sim, com certeza, a vida é uma professora e tanto!
      Obrigada, beijos!

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  18. Mais uma história de encher o coração, a história do sonho que é uma pessoa com uma história de vida cheia, viveu a vida. É como está história que devemos de nos guiar.
    Obrigado pela história magnífica de vida do Dinho.

    Beijos

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    1. Eu é que fico agradecida pelo comentário e pelos elogios!!

      Beijos!

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  19. Uma história de vida como tantas outras. O diferencial é o jeito da escritora narrar, vívido e sem pieguice. Um estilo conciso, que faz pensar e gostar de ler. Positivo operante seu conto, Cidália!!

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    1. Muito obrigada, Vera, pelo carinho de sempre e pelos elogios!

      Beijos!

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  20. Olá, tudo bem?

    Já ate comentei aqui que seus textos são lindos...E no final você "toca" em um ponto bem real que muitos idosos ficam sozinhos esperando alguem para lhe fazer companhia , isso é bem genial por que em todo texto você sempre "coloca" algo que me faz refletir .. eu não vejo que é só um texto por ser texto. VocE sempre passa alguma mensagem

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    1. Olá Shady, tudo bem!!

      Muito obrigada pelo comentário e elogios!
      Sim, penso muito nos idosos, principalmente nos solitários.
      Um abraço!

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