sábado, 24 de outubro de 2015

História de vida



Num bate papo informal com sua irmã caçula, Júlia relembra, emocionada, a sua trajetória de vida.
Na década de quarenta, seus pais, Rosa e Pedro se casaram muito novos, ele com dezesseis e ela com dezenove anos. Apesar de ser mais velha, Rosa era muito ingênua e na primeira noite juntos, ela se assustou quando o marido a procurou e voltou para a casa dos pais. Seu Pedro foi buscá-la e acabou convencendo-a a voltar com ele. Os sogros o ajudaram e a sogra explicou, então, à filha qual o papel da esposa.
Júlia nasceu num lugarejo chamado Bananal, numa casinha de sapé. Na hora do parto sua mãe estava sobre uma esteira e ao seu lado havia um sapo. Dona Rosa soltou um grito terrível, ficou muito assustada com o bicho. Por um momento chegou a se esquecer das dores que estava sentindo.
A parteira era uma senhora muito boa que atendia as mulheres da redondeza e ficou com ela até o final do dia, quando seu Pedro chegou da roça. Não quis deixar Rosa sozinha. Seu Pedro ficou apaixonado quando viu aquela menina linda, morena, de cabelos cacheados.
Quando Júlia estava com um ano e meio de idade, seu pai foi chamado para trabalhar numa firma que estava precisando de mão de obra para desmatar a região onde havia uma mina que seria explorada pelo Grupo Moinho Santista.  Eles se mudaram para uma casa melhor e a vida tomou um novo rumo.
Dois anos e meio depois nasceu Manoel, o segundo filho do casal. Um menino sorridente, que logo se tornou o centro das atenções.
Apesar da pouca idade, Júlia percebia as brigas entre seus pais. Às vezes ela apanhava, porque era uma menina teimosa. Depois que seu irmão cresceu, ela apanhava em seu lugar. Ele fazia alguma arte e quem levava a culpa era ela; coisas de irmãos. Mas, apesar das surras e das discussões que presenciava entre os pais, teve uma infância feliz.
Quando completou onze anos de idade foram morar numa pequena vila, chamada Caixa D’água que pertencia à firma onde seu pai trabalhava numa casa grande e bonita. Nessa época ele era motorista de caminhão.
Aos doze anos ganhou a irmã caçula, uma menina gorduchinha. Júlia ajudava a mãe nos afazeres da casa, pois já sabia cozinhar e tudo. Ajudava, também, a cuidar da irmãzinha.
Na escola, ela era uma menina estudiosa, uma aluna aplicada. E como toda criança gostava de festas. Durante uma festa na escola viu um homem alto, de olhos verdes, charmoso, muito parecido com seu ator preferido, o Gary Cooper, por quem era apaixonada. Ele era o namorado de uma professora e estava distribuindo balas para as crianças. No momento em que lhe ofereceu uma bala, ela ficou ainda mais encantada.
A segunda vez que o viu ela tinha ido ao armazém para comprar umas coisas para sua mãe. Ele ia passando e a chamou:
- Menina, eu achei esta moeda e pensei em dar à primeira criança que encontrasse. Pegue-a e compre um sorvete.
Júlia ficou fascinada ao ouvir sua voz! Ele mal podia imaginar que estava mexendo com a imaginação daquela menina sonhadora.
A partir daquele dia ela passou a esperar o pai na saída do serviço. Aquele homem lindo, que não saía da sua cabeça, trabalhava na mesma firma que seu pai e comia numa pensão que ficava nas proximidades.
Para vê-lo com mais frequência, Júlia o cercava sempre que podia. Às vezes, brincava com uma coleguinha em frente à pensão. E foi assim até que ele foi se chegando e se apresentou:
- Menina, qual é o seu nome? Eu sou o Eduardo, tenho 30 anos e sou muito velho para você.
- Sou a Júlia e não me importo com a sua idade.
- Você é uma criança e poderia ser minha filha.
- Poderia, mas não sou e gosto muito de você.
E tanto deu em cima dele, que Eduardo terminou com a namorada e acabou se apaixonando por ela. Ele tinha um toca fitas e sua música preferida era “menina moça” que era um dos sucessos da época. Para pedi-la em casamento, combinou que inventariam uma mentira para que os pais dela o aceitassem. Sabia que a diferença de idade entre ele e Júlia era muito grande e dificilmente o pai dela aprovaria o casamento. Comentou com um colega de serviço que havia abusado da menina.
Quando o comentário chegou ao ouvido do seu Pedro, ele deu uma surra muito grande na filha. Disse que iria atrás do Eduardo e o mataria. Um vizinho ouviu os gritos da dona Rosa e foi ver o que estava acontecendo. Quando se deparou com a cena, tirou Júlia das mãos do pai e levou-a para sua casa. Depois de ouvir da boca da menina o motivo da surra, mandou chamar o Eduardo e quis saber quais eram as intenções dele.
Seu Pedro acabou se conformando e concordando com o casamento. Disse ao futuro genro que cuidasse de tudo. Eduardo e Júlia ficaram noivos e ela ganhou de presente do noivo uma boneca e uma correntinha, além da aliança. A boneca era uma linda noiva e Júlia gostava de admirá-la.
Pouco tempo depois do noivado seu pai e o Eduardo perderam o emprego. Seu pai comprou uma casa e um lote numa baixada, próximo ao rio e foi trabalhar num sítio como administrador. Rosa acompanhou o marido.
Eduardo foi morar com Júlia na casa dos pais dela, enquanto aguardavam o casamento. Numa enchente muito grande, Júlia perdeu o enxoval, a boneca e a correntinha. Três meses depois, já casados, ela com 13 e ele com 31 anos, Eduardo resolveu tentar a sorte em São Paulo, onde sua família residia.
Quando chegaram, a irmã mais nova feliz da vida, disse ao pai:
- Pai, o Eduardo trouxe uma menina para brincar comigo.
- Não, Aparecida, ela é a sua cunhada. Ele casou com essa menina!
Júlia aprendeu muita coisa com a sogra, madrasta do Eduardo. E ele a tratava bem, era um marido romântico. Com quatorze anos, ela teve a primeira filha.  Para ela aquele bebê era a sua boneca que havia perdido na enchente.  A sogra  a ensinou a cuidar da criança.
Quase dois anos depois, seu Pedro conseguiu trabalho com um compadre que tinha uma firma em Santos e mandou chamar o genro. Para Júlia foi muito bom, pois voltaram a morar com seus pais. Ela gostava dos sogros, mas sentia- se bem melhor na companhia dos pais e dos irmãos.
Eles não ficaram muito tempo em Santos, logo voltaram para a cidade natal. Sogro e genro arrumaram emprego num bairro próximo, mas, novamente foi por pouco tempo. Seu Pedro comprou uma Rural e logo em seguida trocou por uma Kombi, para fazer carreto. Deu um lote para o Eduardo que começou a construir uma casa. Assim que as portas e janelas foram colocadas o casal se mudou. A família aumentou, nasceu a segunda filha.
Eduardo conseguiu um novo trabalho, num bairro chamado Serrote, em outro município. Chegaram a passar necessidade porque o pagamento atrasava muito. Sustentar a esposa grávida do terceiro filho e duas filhas estava ficando cada vez mais difícil.
Foi então que Eduardo quis procurar emprego em outro Estado. Partiu para Curitiba e quando conseguiu trabalho veio buscar a família que havia deixado perto dos sogros. Como o clima era muito diferente, os três filhos tiveram coqueluche. Júlia ficou desesperada e se comunicou com o irmão que foi buscá-los para que a mãe ajudasse a cuidar das crianças.
Eduardo não aguentou ficar sozinho, sentiu saudade da família. Pediu a conta e em seguida voltou para casa. Conseguiu emprego numa firma que estava precisando de mecânico. Três dias depois, estava debaixo de uma máquina, consertando-a, quando o tratorista puxou sem querer uma alavanca. Foi uma tragédia! Ali, debaixo daquela máquina, a vida de um homem trabalhador, amoroso e dedicado chegou ao fim!
Júlia ficou viúva, com dezenove anos de idade e três filhos pequenos. Graças aos pais que sempre estiveram presentes na sua vida, ela pôde procurar emprego até que começasse a receber a pensão. Seu primeiro trabalho foi como mascate com um senhor conhecido do seu pai. Como era muito bonita e bem feita de corpo foi assediada por esse senhor. Não teve coragem de contar ao pai e disse apenas que não queria mais aquele trabalho.
Passou por vários empregos, foi doméstica, cozinheira, telefonista, professora leiga, entre outros. A pensão que recebia era insuficiente para sustentar os filhos, mesmo com a ajuda do seu pai. Seus filhos também tiveram que começar a trabalhar cedo.
Teve um romance passageiro e dessa união nasceu mais um filho. Seu Pedro, que no início ficou magoado com a filha, acabou morrendo de amores pela criança.
Sua vida não foi fácil, seu pai sofreu um acidente onde perdeu o movimento de uma perna, tendo que usar platina na coxa. Perdeu o irmão a quem amava muito, anos depois o pai que era seu arrimo e mais tarde a mãe, uma mulher muito querida.
Apesar dos pesares a vida continuou e ela teve alguns namorados, casos passageiros. Graças a Deus, além dos quatro filhos maravilhosos, teve nove netos e quatro bisnetos. Tem também, a sua irmã, sua cunhada e seus sobrinhos. Ela sabe que tudo o que passou serviu para lhe mostrar que a vida é feita de momentos bons e ruins. Mas, quando há união na família a alegria de viver se torna imensa e supera todas as dificuldades.

32 comentários:

  1. Parabéns a escritora to amando todas as historias

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  2. História muito emocionante e real, vivenciei cada momento como se estivesse acontecendo hoje.Parabéns querida prima.

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  3. Os nomes trocados de personagens reais, que conheci muito criança. A leitura me prendeu, conforme fui reconhecendo cada um e lembrando... Viajei! Muito bem escrito.

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  4. Que história emocionante!!! Linda! *-*
    Vc tá de parabéns, é uma ótima escritora! :)
    Beijão
    www.omundodalilica.blogspot.com.br

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    1. Você não imagina como fiquei feliz com as suas palavras! Obrigada de coração!

      Beijão❤

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  5. Linda a história!!! Fiquei emocionada lendo aqui.
    Deus nos deu um dom e o seu é escrever!! Parabéns pela história! Vc é uma excelente escritora.
    😘

    http://raquelamandamakeup.blogspot.com.br

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    1. Obrigada de coração! Suas palavras me deixaram imensamente feliz!
      😘😘

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  6. Super emocionante essa história, é como se eu estivesse nela. Amei! Parabéns!
    www.blogselmaanjos.com

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    1. Muito obrigada, fico feliz sabendo que você gostou!

      Valeu😘😘

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  7. Que história emocionante. Você escreve muito bem parabéns :)

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  8. Você utiliza muito bem as palavras, é perceptível a intimidade que tem com elas. Embora eu tenha ficado um pouco chocada com a história, hehe beijos.

    www.eternatpm.com.br

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    1. Obrigada Taís, fiquei lisonjeada com suas palavras!
      Foi baseada numa história real.
      Beijos❤

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  9. Que história é essa senhor ? AMEI cada parte dela você ahazou como sempre beijos

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  10. A vida tem altos e baixos e ela se saiu muito bem.
    O apoio da família faz toda a diferença com certeza. É a nossa base.

    Beijinhos,
    Aline Magalhães
    Alineland

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    1. Sim, o apoio da família é muito importante e para Júlia foi fundamental!

      Obrigada, beijinhos! ❤

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  11. Como você escreve bem, amei de mais, muito emocionante, você vai longe mulher.
    beijosss

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  12. uma historia de muita emoçao eu me senti a propria personagem , parabens vc é uma otima escritora ,que tal um livro ....Cleo

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